Um bloco que 50 anos luta contra o Racismo

Colunista: Zulu Araújo

“Conduzindo cartazes onde se liam inscrições tais como: “Mundo Negro”, “Black Power”, “Negro para Você”, etc., o Bloco Ilê Aiyê, apelidado de “Bloco do Racismo”, proporcionou um feio espetáculo neste carnaval. Além da imprópria exploração do tema e da imitação norte-americana, revelando uma enorme falta de imaginação, uma vez que em nosso país existe uma infinidade de motivos a serem explorados, os integrantes do “Ilê Aiyê” – todos de cor – chegaram até a gozação dos brancos e das demais pessoas que os observavam do palanque oficial. Pela própria proibição existente no país contra o racismo é de esperar que os integrantes do “Ilê” voltem de outra maneira no próximo ano, e usem em outra forma a natural liberação do instinto característica do Carnaval”.

“Não temos felizmente problema racial. Esta é uma das grandes felicidades do povo brasileiro. A harmonia que reina entre as parcelas provenientes das diferentes etnias, constitui, está claro, um dos motivos de inconformidade dos agentes de irritação que bem gostariam de somar aos propósitos da luta de classes o espetáculo da luta de raças. Mas, isto no Brasil, eles não conseguem. E sempre que põem o rabo de fora denunciam a origem ideológica a que estão ligados. É muito difícil que aconteça diferentemente com estes mocinhos do Ilê Aiyê.

Esta “Nota destoante”, que reproduzi acima, foi publicada pelo jornal de maior circulação do norte e nordeste do país, intitulado A Tarde, sediado na cidade do Salvador/Bahia. Ele não só era a voz como também a expressão do poder político e econômico na Bahia. Havia inclusive uma expressão muito usada à época que dizia o seguinte: “Saiu na A Tarde, é verdade”, tal o grau de arrogância com que essa publicação se apresentava ao público. Ai de quem o contestasse, por certo, teria sua reputação assassinada e exposta em praça pública de forma impiedosa.

Lembrei dessa “nota destoante”, pois o objeto dessa execração pública é uma entidade negra, das mais importantes do Brasil e que no próximo dia 1º de novembro de 2024, estará completando 50 anos de existência, com um legado enorme de contribuição no combate ao racismo e na promoção da igualdade, em particular para a juventude negra baiana. Mas, o grande legado do Ilê Aiyê, é na verdade – Cultural. O Ilê ao longo desses cinquenta anos, tem sido o símbolo da autoestima, da valorização cultural e da beleza estética enquanto contribuição civilizatória para a sociedade brasileira. Algo, aliás que incomoda profundamente os racistas brasileiros.

“Que bloco é esse, que eu quero saber

É o mundo negro, que viemos cantar pra vocês.

Branco se você soubesse, o valor que preto tem,

Tú tomava banho de pixe e ficava preto também.

Eu não te ensino minha malandragem,

Nem tampouco minha filosofia,

Quem dá luz a cego, é bengala branca e santa luzia”

A radicalidade com que o Ilê Aiyê apresentou o racismo na maior festa popular do planeta, que é o carnaval da Bahia, não só chamou a atenção da elite, como a deixou irritada. Daí a virulência daquela nota. De certa forma, eles sabiam que um tempo novo se avizinhava e que mais cedo ou mais tarde, a farsa da democracia racial iria cair por terra. Ainda bem que o Ilê resistiu, que o movimento negro resistiu e o Ilê transformou-se num exemplo a ser seguido. Parabéns ao Ilê Aiyê, pela sua trajetória, pela sua luta e sobretudo pela sua resiliência no combate ao racismo. Afinal, não podemos esquecer – “a felicidade do negro é uma felicidade guerreira”.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

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