Primeira revista para o público negro completa 26 anos
Primeira edição foi lançada em 1996, quando era incomum encontrar pessoas negras em publicações de moda e em outras posições de protagonismo da publicidade
A revista “Raça”, primeira publicação com conteúdo relacionado à população negra do Brasil, completou 26 anos neste mês.
A primeira edição foi lançada em 1996, quando era incomum encontrar pessoas negras em publicações de moda e em outras posições de protagonismo da publicidade.
Nas novelas, era comum encontrar atores negros em personagens de pessoas escravizadas, empregadas domésticas e outros papeis como jardineiro, porteiro e segurança.
Desta forma, a revista fez parte da construção da autoestima dos negros que eram pouco representados na mídia brasileira. Recentemente, uma campanha publicitária da Agência FCB Brasil recebeu cinco Leões em Cannes, maior festival de publicidade do mundo, pela campanha #vozpreta para a RAÇA.
O CEO da revista Raça, Maurício Pestana respondeu algumas perguntas:
Como foi o início da revista “Raça” e quem a idealizou?
Maurício Pestana: Eu não fazia parte do grupo nessa época, porém a revista “Raça” foi lançada com uma grande expectativa, já que não existia nenhuma publicação voltada para o público negro. Fazia parte até de uma reivindicação política, cultural e estética. Os negros não se viam representados em publicações impressas, quase não haviam produtos para cabelo, a indústria de cosméticos para negros era escassa. As pessoas reivindicavam isso, porém o mercado publicitário negava a existência desse público.
Como era o mercado publicitário naquela época, em relação aos negros?
Maurício Pestana: Existiam alguns “gurus” da publicidade que falavam que não se podia colocar negros como protagonistas na publicidade porque os negros não consumiam. Chegavam a dizer que se colocássemos negros nas capas, as revistas não venderiam.
E como foi a repercussão da primeira edição da revista Raça?
Maurício Pestana: A revista de número 1 vendeu 270 mil exemplares. Foi um recorde de vendas para a primeira edição de uma revista. Nesse momento caíram por terra todas as teses desses publicitários que falavam que não tinha espaço no mercado para os negros. As próximas edições da revista continuaram vendendo muito e a publicação foi um marco na história.
Como foi o desenvolvimento da “Raça” ao longo dos anos?
Maurício Pestana: Com o sucesso da revista, grande parte da indústria de produtos para negros começou a se desenvolver. O público começou a exigir, porque via os modelos negros nas edições. A “Raça” começou a ser publicada pela editora Símbolo, que atuava no mercado de publicações segmentadas. Depois de dez anos, começou a ser publicada pela editora Scala, que já possuía mais de 100 títulos. Foi nessa etapa que eu fui convidado para atuar como diretor da revista. Fiquei sete anos como diretor e nesse período introduzi temas voltados ao comportamento, sociedade e política, porém sem deixar de falar de moda, estética e trazer temas ligados à vida de celebridades.
Qual é o feedback que você recebe das pessoas que consomem a revista?
Maurício Pestana: Muita gente conta histórias sobre a revista. São depoimentos muito legais como o da própria jornalista Maju Coutinho [Maria Júlia Coutinho, da TV Globo], que fala que o trabalho dela se deve à “Raça”. Foram feitos muitos trabalhos acadêmicos estudando o fenômeno da revista dentro e fora do País. Além disso, a “Raça” também acabou influenciando muito o cinema, o teatro e a televisão, com a ascensão de mais artistas negros. Foi uma mudança de paradigmas. Atualmente o número de artistas negros ainda é baixo, mas está bem mais representado do que há 26 anos, quando a revista foi lançada.
Quais são as dificuldades e desafios para manter uma revista como a “Raça”?
Maurício Pestana: Temos que olhar pra esse cenário por dois aspectos. Nos últimos anos o segmento de publicações impressas recebeu uma pancada muito grande por conta do mercado digital. Entretanto, não podemos negar que o impresso tem um glamour, uma presença e um público muito seleto. Além desse aspecto, tem um campo muito vasto a ser explorado que é o da educação. A revista “Raça” vai mensalmente para todos os equipamentos culturais da cidade de São Paulo como bibliotecas e etc.. Poucas revistas conseguem esse alcance nas escolas. Nos últimos anos, por conta do digital, muitas revistas sumiram do mercado.
Como você vê a revista “Raça” atualmente?
Maurício Pestana: Hoje a “Raça” é uma marca forte e que está se fortalecendo no digital também. Atingimos 3 milhões e 800 mil contas no digital e 150 mil seguidores no Instagram. Podemos contar nos dedos quais são as revistas brasileiras que estão há tanto tempo no mercado e, por isso, é tão importante essa publicação. Recentemente a agência de publicidade FCB Brasil recebeu cinco leões com uma campanha publicitária para Revista Raça.