No livro “A relação entre o psicólogo negro e o cliente branco em um país racista”, Rosangela Rozante realiza uma análise pioneira das dinâmicas raciais no setting terapêutico, integrando conceitos-chave da psicologia internacional e nacional. A autora aborda a transmissão geracional do racismo através das alianças inconscientes de René Kaës – mecanismos psíquicos que perpetuam o racismo como pacto social invisível, ressurgindo na relação terapêutica birracial como fantasmas coloniais na transferência/contratransferência.
Rozante investiga a branquitude como constructo psicossocial, não como fenótipo, mas como posição de poder internalizada, ecoando estudos de Maria Aparecida Silva Bento e Lia Schucman. Ela demonstra como clientes brancos reproduzem microviolências ao questionar a competência do terapeuta negro, reflexo do mito da democracia racial denunciado por Florestan Fernandes. Para descolonizar o setting clínico, propõe o letramento racial como ferramenta ética, articulando-se às demandas do Programa Nacional de Saúde Integral da População Negra e criticando a formação eurocêntrica que ignora contribuições como a teoria do enrijecimento psíquico do negro, desenvolvida por Neusa Santos Souza.
A obra estabelece diálogo profundo com referenciais teóricos essenciais. Retoma Frantz Fanon (Pele Negra, Máscaras Brancas) e seu conceito de esquema corporal epidérmico – a internalização do racismo como marcador identitário – para fundamentar análises sobre sofrimento psíquico. Conecta-se também a Grada Kilomba (Memórias da Plantação) e sua noção de violência epistêmica, que ilumina a hierarquização de saberes na clínica quando teóricos negros são marginalizados. No cenário brasileiro, incorpora pesquisas recentes como a dissertação de Maiara Benedito (USP) sobre negligência de psicólogos não-negros ao racismo estrutural, o estudo de Gouveia & Zanello (2018) que expôs a escassez de produções sobre saúde mental negra, e investigações com mulheres negras que evidenciaram falhas na escuta terapêutica em díades birraciais.
Entre suas contribuições inovadoras, destaca-se a inversão do olhar hegemônico: diferentemente de estudos focados no paciente negro, Rozante analisa o lugar do branco na cadeia de opressão, examinando sua resistência ao confrontar privilégios. A autora também critica a falsa neutralidade clínica, argumentando, como Carter (2007), que ignorar raça é ato político que inviabiliza o acolhimento de traumas como o Race-Based Traumatic Stress. Suas propostas concretas incluem protocolos para supervisionar casos com viés racial, incluir autores negros na formação acadêmica e identificar branquitude frágil nas resistências terapêuticas.
O lançamento na Bahia (2/6/2025, CRMV-Salvador) ocorre em contexto simbólico: um estado com 82% de população negra, onde o CRP-03 historicamente luta pela incorporação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais nos cursos de psicologia