Faz bastante tempo que li “Cidadã de segunda classe”, da escritora Buchi Emecheta. Não foi a primeira obra escrita por ela que li; antes, já havia sido impactada por As alegrias da maternidade.
Não tinha como não lembrar do livro e da dura e crua crítica de Emecheta depois de tomar conhecimento, pela imprensa, do assassinato de mais uma pessoa pobre.
Na hora, só consegui pensar: gente pobre não vale nada mesmo. Para o cidadão de segunda classe resta a miséria, o açoite ou um único tiro. Como se, mesmo com todas as diferenças entre os escritos de Emecheta e a vida de Laudemir, houvesse uma conexão capaz de explicar o absurdo crime do último dia 11 de agosto.
Assim, sem mais nem menos, Laudemir de Souza Fernandes, de 44 anos, pai de família, segundo familiares e amigos, uma pessoa pacífica e muito dedicada ao seu ofício, foi assassinado enquanto trabalhava recolhendo o resíduos de todo mundo, fazendo um serviço essencial.
Era mais um dia normal de trabalho. Mas, no caminho do empresário Renê da Silva Nogueira, havia um caminhão de coleta de resíduos. Segundo a imprensa, o empresário estava irritado com o veículo, que impedia a passagem do seu carro. Uma discussão tola, um tiro disparado, mais uma vida — pobre — perdida.
O crime aconteceu em Belo Horizonte. Eu poderia dizer quantos outros crimes assim acontecem todos os dias, mas quero tratá-lo como único. Único porque Laudemir era único. E, por mais que se clame por justiça, ele não voltará para casa. Não cuidará da sua família. Não recolherá mais a nossa sujeira.
Mas é impossível ignorar que esse crime é apenas sobre um homem pobre assassinado. É sobre um país que naturaliza a violência contra quem está na base da pirâmide. Um país que convive com o racismo, a desigualdade e a desumanização como se fossem parte da paisagem. Onde a vida de um trabalhador pobre vale menos que a pressa de outro.
Enquanto não encararmos essa verdade, novos Laudemires continuarão a cair — e nós continuaremos a viver como se nada tivesse acontecido.