Quando falamos “eu te amo” ainda dizemos pouco

As cartas amorosas de outrora, manuscritas e seladas, deram lugar ao emoji criptografado via WhatsApp. Lembro que a minha primeira declaração para alguém aconteceu rabiscando um papel, frente a frente. Sempre senti mais conforto escrevendo, como se minha vulnerabilidade confiasse mais nas palavras grafadas do que naquelas saídas da minha voz vacilante. A eleita não entendeu nada. Meus garranchos indecifráveis nublaram o sentimento que habitava em mim e eu chamava de  amor. Os enamorados, entre encontros e desencontros, algum dia se encontrarão. 

Agora, com mais vivência, penso que a expressão “eu te amo” pode ser considerada imprecisa, mesmo que pronunciada com dicção compreensível, ainda que acompanhada pela bolinha amarela e seus olhinhos de coração nas conversas digitais. Isso porque cada um de nós faz a sua própria ideia do que é amor e, principalmente, quais atitudes atestam que se ama. 

Sobre isso tem uma pergunta que eu considero valiosa e que poderia ser feita com mais frequência: que fazer quando alguém diz que ama, mas o outro não enxerga nas suas atitudes uma demonstração de amor? Explico com um exemplo: imagine que para um amar significa ser admirado. Para outro, apoiar no aperfeiçoamento. Se ambos se encontrarem e apostarem em conviver, vão ter um desafio para se entenderem. Afinal, um espera mais validação que instrução. O outro, pelo contrário.

Outro exemplo típico. Para um, amar é cuidar: saber onde está, proteger, perguntar, aconselhar, prevenir dos perigos que enxerga nas pessoas ao redor. Para o outro, importa mesmo confiar: nada de perguntas, definição de horários para chegar, nem prestação de contas dos detalhes sobre o que se passou quando estavam longe. Como conciliar interesses tão díspares? O amor que nos ensinaram, na prática, parece que só se sustenta baseado em coincidências. 

Amores em vez de amor 

Não raro apaixonados consideram que a ausência ou presença do outro é um peso, numa nítida incompreensão mútua. Sim, quando nos compreendem também nos aliviam. E não se trata aqui de apontar o certo e errado, mas de entender que significados atribuídos ao que é amor são múltiplos e, por isso, carecem de mais profundidade para serem assimilados. É ignorar isso que faz relacionamentos fadados ao desgaste. Ouvir “eu te amo” é um convite quase que inaudível para perceber o outro, conceber seu olhar e também, em algum momento oportuno, instá-lo a enxergar ao seu modo. Amar não é monotonia. É arco-íris. Quem ama, ouve. Mesmo que discorde. 

A palavra chave para essa “troca de olhares” inusitada é o diálogo. Mas como fazê-lo sem treino, sem fundamento, sem técnica nem sistema? A Comunicação Não Violenta (CNV) se propõe a isso. Por isso, estudá-la é uma estratégia para este século 21, já que ela define amor não como um sentimento, mas sim como uma necessidade. E isso faz toda a diferença. 

Necessidades para a CNV são desejos humanos e universais. Por exemplo: abrigo e segurança. Todos os seres humanos, independentemente da cultura, classe social, credo ou qualquer outro tipo de distinção, precisam de abrigo e segurança. Agora, a cultura, a classe social e o credo podem diferenciar as formas como descrevemos e obtemos a saciedade dessas necessidades. Nossos conflitos, quando ocorrem, se dão entre as estratégias que adotamos para atender nossas necessidades. Por isso, urge mirar o que nos une em vez daquilo que nos separa. É assim que consensos criativos e surpreendentes nascem. 

Partindo desse ponto, fica mais nítido o porquê do amor nos confundir tanto. É possível desenvolver uma linguagem que prefira não determiná-lo, mas sim considerá-lo plural. Sendo assim, este texto não é sobre o amor absoluto, inconfundível, perene. Jamais. É sobre amores diversos, fragmentados, imprecisos, inefáveis, mas nem por isso menos deliciosos de se descobrir, de se viver e compartilhar.  

*Fábio Pereira é jornalista, mediador de conflitos e facilitador de Comunicação Não-Violenta (CNV). Integra a ONG CNV em Rede e coordena a Câmara de Mediação Pacific. Instagram: @fabio.dialogos

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Jornalista e mediador extrajudicial com especialização em conflitos familiares e oficinas de parentalidade pelo Instituto Brasileiro de Mediação Familiar. É facilitador de Comunicação Não-Violenta (CNV), colaborando com a ONG CNV em Rede e integrando o banco de facilitadores desta disciplina na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). É colunista de CNV da Revista Raça.

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