Quando o assustador é ser negro

Como produções televisivas, este é o universo em que está inserido de Lovecraft Country, da HBO, e “Them (em português, Eles)”, série norte-americana disponível na Amazon Prime Video inspirada no filme “Us (em português, Nós), de Jordan Peele.

Peele, por sinal, mereceria um livro inteiro só por sua obra, tamanha a importância do que o diretor trouxe para o mainstream do “black terror”. Como estilo, o diretor ganhou notoriedade neste segmento com o filme Get Out (Corra!) que, pessoalmente, é de longe uma das obras primas do terror contemporâneo.

E digo não só pelo pelo roteiro afiado, metáforas bem construídas ou mesmo Daniel Kaluuya, protagonista que desponta hoje como um dos jovens negros mais promissores de Hollywood. Mas o ponto chave deste terror pode ser colocada apenas em uma das cenas mais assustadoras em Get Out: quando o personagem visualiza a chegada das sirenes da polícia.

Mas voltando para Them, muitas críticas negativas existem em relação à série de Little Marvin. A principal delas, e devo admitir que concordo com sua

fundamentação, seria o excesso de violência à qual os personagens negros são submetidos, muitas vezes, sem que haja qualquer justiça àqueles que a causam.

Them vai por um sentido contrário do que muitos consideram aceitável quando a discussão é o terror de ser negro em uma sociedade racista institucionalmente.

Considerada ‘pornografia de trauma’, muitas produções acabam caindo na violência apenas pelo seu apelo visual, deixando de lado sua reflexão mais profunda, a ponto de nos perguntarmos: afinal, nós precisamos mesmo de nais imagens de pessoas negras morrendo brutalmente?

Talvez por isso tive tão grata surpresa naquela que considero uma das melhores séries desses tempos: Lovecraft Country. Primeiro porque não havia conhecimento dos livros e, assim, não fazia ideia do que se tratava (inclusive evitarei qualquer spoiler para que, assim como eu, quem decida assistir depois deste texto tenha a mesma grande surpresa). Mas também porque a série mistura vários estilos, ora sendo um romance histórico dos Estados Unidos ainda de leis da Jim Crow e seu racismo institucionalizado, ora uma aventura eletrizante, sempre com o contexto de ficção científica e até mesmo terror fantasmagórico. Tudo com muita coerência e ressignificando o legado de um autor que, notoriamente racista, tem sua contribuição reconhecida no universo de monstros – e, porque não, sendo um deles.

Infelizmente para alguns, Lovecraft Country foi cancelada para uma segunda temporada. Mas pessoalmente, vejo com certo bom grado que a obra termine bem ali, com um final possível, abrindo inúmeras possibilidades, alegorias, metáforas e representatividade. Porque, algumas vezes Hollywood acerta de forma tão magistral que uma continuação só traria contradições e a imagem que tenho desta série: uma narrativa que não precisa explorar a imagem do sofrimento e flagelo do corpo negro para assustar, afinal, o maior monstro continua por aí: o racismo.

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