Chorei com a dor de Mônica. Chorei porque ela é eu. Porque sou mãe, tia, prima de jovens negros cheios de sonhos, inteligência, beleza e alegria. Chorei porque a dor dela é a dor de todas nós, atravessa fronteiras, muros e asfaltos. Porque, para o sistema, Mônica é só mais uma. Porque, para o Brasil, nossos filhos são descartáveis.
A cada jovem negro morto, uma família é enterrada viva. Enterra-se o sorriso, a esperança, o futuro. Enterra-se a ilusão de que a roupa certa, o bairro certo, o diploma certo, o comportamento exemplar nos salvariam. Não salvam. Não bastam. Porque o problema nunca foi onde moramos ou como nos vestimos — é quem somos. Ou melhor, como eles nos veem.
A favela não venceu. O asfalto também não. A bala, o cassetete, o olhar atravessado no elevador ou a perseguição na loja nos lembram que não existe lugar seguro para corpos negros. Nem na rua, nem na escola, nem no shopping. E mais cruel: nem no colo das nossas mães.
Às vezes, queremos apenas sentar em um restaurante e comer em paz — sem ser agredidos, sem sermos tratados como suspeitos, sem sermos enxotados pelo olhar ou pela força. Queremos comprar um lanche e seguir vivendo. Simples assim. Mas até isso, para nós, vira resistência.
Ontem, eu sentei e chorei. Chorei porque, apesar de tudo, sigo sonhando com um mundo diferente para minhas futuras netas e netos. Mas será? Será que esse país permitirá que elas sonhem? Que elas vivam? Que possam brincar na rua sem medo? Que possam amar sem serem alvo?
Até quando vamos ter medo? Medo de nossos filhos andarem na rua. Medo de serem confundidos. Medo de não voltarem. Medo de amar demais e perder de repente. Medo até de ver nossos filhos tendo filhos. Porque ser mãe negra já é viver com o coração exposto. E agora estão tirando até o sonho das jovens negras de serem mães. Como gestar uma vida negra num mundo que nos odeia? Como gerar amor onde só nos oferecem violência?
É cansativo. Exaustivo. Ser negro no Brasil é viver ensinando aos nossos como sobreviver a cada esquina. Explicamos como agir diante da polícia, como reagir diante do segurança, como responder ao professor. Como baixar os olhos, não fazer movimentos bruscos, não usar capuz, não correr. É como se nossos filhos não tivessem o direito de serem apenas crianças ou adolescentes — eles precisam ser adultos antes da hora, só para continuarem vivos.
Vivemos em estado de alerta. Porque o racismo não dorme. Ele se esconde atrás das fardas, dos processos judiciais que nunca se encerram, dos silêncios institucionais. Ele vive nas decisões que culpam o morto por ter morrido. Vive na lógica perversa que transforma a vítima em ameaça. Vive em um país que entrega laudos, mas não entrega justiça.
E ainda dizem que somos fortes. Como se ser forte fosse escolha. Como se fôssemos feitas de ferro, e não de carne, osso e medo. Medo de mais uma notícia, mais um rosto conhecido no jornal, mais uma mãe gritando sem ar na porta do IML.
Nós gritamos porque queremos viver. Porque queremos que nossos filhos vivam. Que possam amar, errar, estudar, brincar, crescer. Que não tenham que provar o tempo todo que merecem existir.
A morte de jovens negros no Brasil não é tragédia — é projeto. Um projeto de extermínio que segue ativo, sofisticado, impune. Um projeto que se alimenta da nossa dor e se sustenta no silêncio da sociedade.
Mas eu me recuso a silenciar. Porque a voz de Mônica ecoa em mim. Porque os filhos dela são meus também. Porque enquanto houver uma mãe negra de pé, haverá denúncia, haverá resistência.
O luto é nosso. Mas a luta também.