Quem é Naomi Wadler, que aos 11 anos luta por vítimas ‘que não aparecem no jornal’
Estudante viralizou com discurso forte em ato pelo controle de armas nos EUA, ao se apresentar como representante das mulheres afro-americanas, “que são simplesmente estatísticas, em vez de meninas bonitas vibrantes cheias de potencial.”
Dias antes de viralizar e ficar conhecida no mundo inteiro, a estudante primária Naomi Wadler teve trabalho para convencer os professores a liberarem o jardim da escola para uma caminhada em homenagem aos 17 estudantes mortos por um atirador em uma escola da Flórida, em fevereiro.
“Alguns dos funcionários ficaram preocupados e disseram que o gramado não seria seguro para nós”, contou Wadler na época à imprensa local. “Aí pedi para eles explicarem como ficaremos seguros dentro da sala de aula, enquanto é permitido que uma pessoa com uma identidade vencida compre um fuzil numa loja.”
A “minimanifestação” organizada pela pequena Wadler e um colega em Alexandria, no estado da Virginia, previa 17 minutos de silêncio por todas as vítimas do atirador da Flórida. Mas, durante o ato, ela resolveu pedir aos colegas mais tempo em silêncio – dessa vez em homenagem a adolescentes negras mortas recentemente em diferentes lugares do país.
A estudante do quinto ano queria lembrar que as mulheres negras são as que mais morrem entre todas as americanas – recado repetido enfaticamente neste sábado, para uma multidão de crianças, pais, professores e simpatizantes que a acompanhava em silêncio no centro da capital dos EUA.
Originalmente organizada por alunos da escola Marjory Stoneman Douglas, da Flórida, a “Marcha pelas nossas vidas” atraiu sobreviventes de outros tiroteios e parentes de vítimas em todo o país. Durante todo o sábado, o evento extrapolou a capital americana e se repetiu em pelo menos 800 cidades nos EUA e em outros países, incluindo São Paulo, Londres, Edinburgo, Sidnei e Tóquio.
“Estou aqui hoje para reconhecer e representar as garotas afroamericanas cujas histórias não são capa de todos os jornais nacionais”, disse Wadler, interrompida por aplausos em um dos principais momentos do discurso.
“Eu represento as mulheres afro-americanas que são vítimas da violência armada, que são simplesmente estatísticas, em vez de meninas bonitas vibrantes cheias de potencial.”
A eloquência e a firmeza da garota impressionaram a audiência repleta de mulheres negras e adolescentes, em uma das principais avenidas de Washington. A maioria ali a via e escutava pela primeira vez na vida.
“As pessoas disseram que sou jovem demais para ter esses pensamentos por conta própria. Disseram que eu sou uma ferramenta para algum adulto sem nome. Não é verdade”, afirmou.
“Meus amigos e eu podemos ainda ter 11 anos e estar em uma escola primária, mas sabemos que a vida não é igual para todos, e sabemos o que é certo e errado.”
Fim da violência
O principal pedido era o fim da violência armada no país, com a aprovação de regras mais rígidas para a compra de armas.
Entre as principais propostas estava a proibição da venda de armas automáticas e carregadores de munição para fuzis, e regras mais rígidas para a checagem de antecedentes de quem quer ter armas de fogo em casa.
Cerca de 69% dos americanos acreditam que as leis sobre armas devem ser reforçadas, de acordo com uma pesquisa divulgada em fevereiro pela Associated Press e pelo Centro de Pesquisas NORC. Em outubro de 2016, 61% dos americanos apoiavam a pauta.
O principal alvo dos manifestantes neste sábado era a NRA (Associação Nacional dos Rifles, na sigla em inglês), fundada em 1871 para “promover e incentivar o uso de armas de fogo com base científica”.
O grupo se tornou um dos mais poderosos dos Estados Unidos, com um orçamento capaz de financiar e influenciar membros do Congresso sobre a política de armas do país.
Depois do último tiroteio, o estado da Flórida aprovou uma lei de controle de armas que permite o armamento de funcionários da escola e aumenta a idade legal para a compra de rifles.
A NRA processou o estado, alegando que a lei era inconstitucional.
Para os apoiadores, a associação é um grupo que defende e orienta as pessoas sobre o bom uso das armas. “Eles são um alvo fácil”, disse à BBC Brasil um defensor do armamento, também presente no protesto de Washington.
Homenagens
A fala de Wadler ganhou rapidamente as redes sociais e rendeu agradecimentos como o do prefeito de Birmingham, no Alabama.
“Obrigado a Naomi Wadler pela lembrança de Courtlin Arrington na Marcha por nossas vidas, em Washington”, escreveu Randall Woodfin no Twitter.
Ele se referia a menção feita por Wadler a morte de uma jovem negra de 17 anos no último dia 9, atingida no coração por uma bala que atravessou seu corpo por um colega, dentro da sala de aula.
O caso foi inicialmente tratado pela Justiça local como um acidente, mas, depois da mobilização de colegas e de vídeos mostrarem o momento do disparo, evoluiu para uma acusação de homicídio.
A atriz Kirsty Alley, também pela rede social, prometeu “testemunhar o importante trabalho” da jovem “pelo resto da vida”.
O nome da estudante foi transformado na hashtag #naomiwadler, associada ao drama vivido por meninas e mulheres negras americanas.
Nas últimas duas décadas, segundo levantamento do jornal Washington Post, aproximadamente 200 pessoas morreram por disparos dentro de escolas americanas.
A contagem se inicia no massacre de Columbine, no Colorado, que deixou 13 mortos, em 1999. Desde então, segundo o jornal, mais de 187 mil estudantes de pelo menos 193 escolas primárias e secundárias viveram tiroteios dentro de seus colégios.
Eleições no fim do ano
Wadler também lembrou de Taiyania Thompson, uma jovem de 16 anos morta a tiros, dentro de casa – a poucos quilômetros do local do protesto, na capital americana.
O namorado de Thompson foi preso pela polícia local e é acusado pelo homicídio.
“Peço que todos aqui ouçam minha voz e se unam a mim para contar as histórias que não são contadas. Para homenagear as meninas e as mulheres negras que foram assassinadas de forma desproporcional nesta nação”, disse a jovem em Washington.
“Peço a cada um de vocês que me ajude a escrever a narrativa para este mundo e entenda para que essas meninas e mulheres nunca sejam esquecidas.”
Durante a fala, Wadler fez coro com outros estudantes presentes na marcha e ressaltou a proximidade das eleições para o congresso americano, que acontecem em novembro deste ano.
Ela lembrou aos presentes que ela própria, “daqui a curtos sete anos”, também terá o direito de votar.
O recado foi repetido por muitos manifestantes, que traziam cartazes ressaltando a importância das eleições que se aproximam.
Também no palco, montado em frente ao Capitólio – sede do Congresso Nacional americano –, o estudante Cameron Kasky, da escola que foi palco do ataque de fevereiro, na Flórida, pressionou políticos a tomarem medidas concretas para limitar o acesso a armas no país.
“Ou vocês representam as pessoas, ou adeus”, disse. “Lutem por nós ou fiquem atentos. Os eleitores estão vindo.”
A professora de física J. Blake saiu de Baltimore e trouxe as duas filhas para o protesto. À reportagem, ela se disse otimista com o tamanho da manifestação e defendeu uma mobilização semelhante nas urnas.
“Eu espero que elas também saiam de casa para votar em pessoas com uma visão razoável sobre leis de armas. Como pais, é nosso dever proteger nossos filhos e a melhor forma de fazermos isso é votando”, afirmou.
Sua filha Olivia, de 15 anos, comemorava o protagonismo das crianças e adolescentes na campanha.
“Nós somos o futuro e seremos as pessoas que tomarão decisões. Começar a falar alto agora, e dizer que queremos nossas vidas protegidas, é um primeiro passo.”