Raça e gênero na publicidade. O que mudou nos últimos 30 anos?
Muito se fala sobre diversidade nos meios de comunicação, mas os brancos ainda são maioria nas peças de propaganda. A proporção de pretos e pardos nos anúncios aumentou timidamente, e sua representação ainda reforça um lugar de subalternidade.
O Gemaa (Grupo de Estudos Interdisciplinares de Ações Afirmativas) investigou as formas de representação de raça e gênero na publicidade brasileira ao longo de três décadas (1987 – 2017) a partir de uma amostra de mais de 13.162 peças publicitárias publicadas na revista semanal de maior circulação nacional, a Veja. De um total de 13 mil modelos classificados nessas peças, negros e negras somaram apenas 16% em 2017, enquanto mulheres – sobretudo brancas – tiveram um aumento crescente desde os anos 1980. Ainda assim, elas são representadas de modo bastante estereotipado.
A literatura acadêmica mostra um apagamento sistemático de pessoas negras em diversos meios entendidos como importantes para a construção de visões de mundo. Na literatura 1, no cinema 2, na telenovela 3 e na publicidade os modelos brancos são a maioria esmagadora das personagens. A raça se torna um fator de especial relevância para determinar se o consumidor se verá representado ou não em diferentes plataformas culturais
Apesar de formarem a maior parcela da população brasileira de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), somando cerca de 56,2%, pretos e pardos não passaram do teto de 17% nas peças publicitárias analisadas na pesquisa. A investigação incluiu 370 edições mensais da revista Veja. Entre os modelos encontrados nos anúncios, as mulheres negras foram as menos representadas, com cerca de 4% das personagens. Já os homens pretos e pardos somaram 8%, seguidos de mulheres brancas, com 37%, e homens brancos, com 46% — o grupo majoritário 4. Outro ponto importante é a recorrência da representação de negros na publicidade como tokens, ou seja, o uso da imagem de um único negro em meio a uma maioria branca. Essa imagem é utilizada como símbolo de diversidade, ao mesmo tempo que reforça seu estatuto de minoria
A baixa representação de determinados grupos contribui para a construção de uma alteridade subalterna e legítima visões de mundo excludentes. Por outro lado, a diversidade na publicidade pode gerar maior identificação entre o público e comunicar valores mais igualitários
A média de 88% de modelos brancos nos anúncios ao longo de três décadas diz respeito a uma escolha também política e cultural de não somente super-representar pessoas brancas, como de efetivamente apagar pessoas negras. Mas, além da baixa representação, chama a atenção o modo limitado como as pessoas negras são retratadas. Personagens pretas e pardas são mais representadas em trabalho braçal e esportes, além de aparecerem com mais frequência em peças de propaganda governamental. Nota-se que os lugares atribuídos a esse grupo são restritos e bem demarcados.
Há uma diferença notável também entre os anunciantes. A maioria dos anúncios é de empresas privadas – 91% do total –, porém, a publicidade de instituições governamentais, embora ainda longe da igualdade racial, apresenta quase três vezes mais personagens negros do que a de empresas privadas. Isso se deve a certa preocupação governamental com a venda de uma imagem mais diversa, mas também associa as pessoas negras a programas de assistência social
Quando observamos os produtos vendidos nos anúncios, notamos um recorte de gênero: mulheres são mais representadas em peças de joias (82%) e, depois, nos anúncios de cosméticos (64%) e roupas (51%). Em suma, elas aparecem com mais frequência em produtos relacionados à estética e a cuidados com a aparência. Já os homens aparecem mais em peças de automóveis (56%), instituições de educação (54%) e bebidas (51%). Esse padrão de representação reforça e naturaliza os papéis de gênero propagados na sociedade.
Outro aspecto importante das peças publicitárias é que o recorte racial perpassa de modo central o recorte de gênero. Os papéis tipicamente femininos (que emitem preocupação com aparência, imagens sexualizadas ou exercendo cuidado – por meio da profissão ou na família) são atribuídos sobretudo às mulheres brancas, enquanto as mulheres negras estão menos presentes nessas representações. Em outras palavras, os produtos associados às imagens de beleza não são vinculados às mulheres negras, cuja visibilidade é restrita a papéis secundários e subalternos.
A interface entre raça e gênero é fundamental para a análise dos anúncios, dado que a raça imprime peculiaridades na construção das masculinidades e feminilidades nos modos de representação. A maior proporção tanto de homens como de mulheres negros está na propaganda governamental (36%) e em peças sobre responsabilidade social (32%) – quando as marcas procuram vender uma imagem positiva a partir de algum programa social.
A super-representação de personagens brancos reforça a narrativa do branco como norma de humanidade, assim como a persistente associação de mulheres a papéis estereotipados mostra avanços modestos no modo de se fazer publicidade no Brasil. O extenso alcance das peças publicitárias faz com que os anúncios assumam um papel relevante na reprodução de processos de estigmatização entre os indivíduos.
A baixa representação de determinados grupos contribui para a construção de uma alteridade subalterna e legitima visões de mundo excludentes. Por outro lado, a diversidade na publicidade pode gerar maior identificação entre o público e comunicar valores mais igualitários.