O passado sempre bate à porta e ressignificá-lo é fundamental para seguir em frente, como ensina o ideograma Sankofa, originário do povo Acã. É isso que Cassandra, interpretada pela Liniker na primeira temporada da série “Manhãs de Setembro” tenta fazer.
Lançada em julho deste ano, com direção de Luís Pinheiro e Dainara Toffoli, a primeira temporada conta a história de uma mulher negra trans que acha que alcançou alguma estabilidade e segurança ao viver um amor “tranquilo” e conseguiu sobreviver do trabalho puxado em cima de uma moto pelas ruas da cidade de São Paulo.
Quando tudo parece que vai (quase) bem, uma ex-namorada do passado, Leide, interpretada por Karine Teles, que também esteve em “Que horas ela volta?”, “Benzinho” e “Bacurau”, chega com Gersinho, filho dela com Cassandra.
Tudo muda e uma relação de confiança entre os três vai sendo construída com muitos altos e baixos, embalada por uma trilha sonora impecável e pelas durezas de quem está tentando ganhar a vida como dá, na invisibilidade de uma grande metrópole.
É uma história sobre construção de afetos, quebra de paradigmas e, sobretudo, os sonhos, desejos e decepções de uma mulher trans, negra, pobre e trabalhadora que só quer cantar aquilo que lhe toca a alma. E o que lhe toca a alma é a voz e interpretação inconfundível de Vanusa, cujo uma das músicas de maior sucesso, “Manhãs de Setembro”, dá nome ao seriado.
Uma das cenas mais marcantes é quando Gersinho diz que o pai é bonito. Eles estão em uma farmácia fazendo compras para o app de entrega que Cassandra atende e, entre uma fala e outra, o menino diz isso. Obviamente, existe um conflito ali porque ele segue chamando Cassandra de pai, mesmo contra a vontade dela. Mas é nítido que ela fica lisonjeada com a constatação do menino.
Liniker, cantora, compositora, artista visual e atriz, superou qualquer expectativa que eu pudesse ter. A atuação é tão envolvente, que cheguei a achar, nos primeiros minutos, que ela estava interpretando sua própria história.
Além de Gustavo Coelho, que interpreta Gersinho, o elenco é bem estrelado e traz Thomaz Aquino, Paulo Miklos, Isabela Ordoñez, Clodd Dias, Fero Camilo, Elisa Lucinda e Linn da Quebrada.
Jornalista com experiência em gestão, relações públicas e promoção da equidade de gênero e raça. Trabalhou na imprensa, governo, sociedade civil, iniciativa privada e organismos internacionais. Está a frente do canal "Negra Percepção" no YouTube e é autora do livro 'Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia'.