Raça Indica

Livros

Irmã Outsider
André Lorde

Os textos da poeta e ensaísta norte-americana Audre Lorde são povoados por reflexões que desenham um lugar de luta contra as opressões que viveu como mulher, negra, lésbica, mãe, educadora. Em sua elaborada poesia, a densidade do sofrimento do seu povo é quase palpável. Já neste livro de ensaios, as análises são potencializadas por uma escrita lúcida. Ao falar de temas como sua viagem à Rússia, Lorde vê o país a partir de um olhar afrocentrado e assim faz as perguntas que gostaríamos de fazer. Em outro artigo, ao abordar a criação poética, ela afirma categoricamente que “a poesia não é um luxo. É uma necessidade vital da nossa existência”. Lorde centra sua reflexão na condição feminina e negra, e uma das suas concepções, que inclusive tem sido amplamente discutida contemporaneamente, é sobre os usos da raiva, tema de um dos artigos no livro. Lorde afirma: “Mulheres que reagem ao racismo são mulheres que reagem à raiva; a raiva da exclusão, do privilégio que não é questionado, das distorções raciais, do silêncio (…)”. Ao mesmo tempo explicita sua própria reação: “Minha reação ao racismo é a raiva”. Podemos pensar que a raiva é o primeiro fator que leva à indignação, e a indignação é o sentimento de não-aceitação de uma injustiça. Mas há um limite estreito entre a raiva e o ódio; a própria autora reconhece que é necessária uma diferenciação: “Esse ódio e a nossa raiva são muito diferentes”. O livro é um mergulho necessário nessas questões trazendo reflexões necessárias para que o ódio seja substituído por um sentimento de solidariedade e justiça social.

Recital de Pedra
Sergio Ballouk

Pedras podem causar ferimentos ou construir fortalezas. Ou os dois. Depende de quem as usa. Sergio Ballouk recolhe as pedras do meio do caminho e as transforma em poesias. Polindo as pedras ao toque do tambor, o poeta ilumina as palavras com seu lirismo preto e periférico, úmido de sambas e gingas, afeto e sensibilidade. Neste que é seu quarto livro, Ballouk sabe que o desafio diante do papel é solitário: “só / papel / caneta / e esse riacho / de sentimentos / rinha particular / de pertencimentos”. O poeta precisa escrever-se e, assim, escrever também os sentimentos de seu povo: “corre pela clareira, aldeia, capão e vargem / negro abusado, de sapato e carta nas mãos / corre gritando, anunciando que é: / o corte do machado / o grito da cachoeira / o terror negro encarnado”. As memórias se desfiam, os detalhes se revelam. Talvez a poesia seja esse prestar atenção às coisas mínimas do dia a dia, aos pormenores dos fatos que importam: “foi um pouco desse cheiro / que guardei no frasco íntimo / guardei no fundo do arco-íris / no lado esquerdo da gaveta”. O amor está presente e um lirismo genuíno transborda das páginas: “muito antes vem a sua luz / de mulher plena, feliz e verdadeira / estrela negra do dia e da noite / sim… noite… sem sutilezas”. O poeta passa por temas como ancestralidade, família, paternidade, costurando um roteiro que nos soa familiar e próximo, como um samba nostálgico: “tem samba manhãzinha / escorregadio na caneta / vem chegando malandreado / sussurrado a noite inteira / vem depois que sonho com ela / e faço juras de amor / e me pego no banheiro / cantarolando no chuveiro”. Esse livro, que nasce na zona norte de sampa, vem lapidado como pedra preciosa.

Vozes Insurgentes De Mulheres Negras
Organizadora: Bianca Santana

O 25 de julho, dia internacional da mulher negra latino-americana e caribenha, oferece a oportunidade de refletirmos sobre as diversas lutas das mulheres afro-brasileiras. No campo da palavra escrita, muito já se produziu sobre essas mulheres, especialmente na área acadêmica. Mas, além do discurso sobre a mulher, há também a produção escrita própria dessas mulheres, que marca o seu protagonismo, produção que tem aumentado ao longo dos anos, seja na área da ficção ou da pesquisa acadêmica. O livro Vozes Insurgentes de Mulheres Negras tem a proposta de trazer as múltiplas vozes dessas mulheres por meio de depoimentos, artigos de jornal, letras de música, ensaios, entrevistas e poemas. No livro, essas vozes atravessam o tempo, vindas desde o século XVIII, com a carta de Esperança Garcia, até o século XXI, com a poesia de Conceição Evaristo, passando por Lélia Gonzalez, Laudelina de Campos, Carolina de Jesus, Leci Brandão, Neusa Maria Pereira, Mãe Stella de Oxóssi, Matilde Ribeiro e tantas outras personalidades significativas para a história e cultura afro-brasileiras. Essas vozes se insurgem contra os quadros de subordinação e é importante poder lê-las, pois trazem a visão de mundo e a subjetividade de parcela da população que foi silenciada durante muito tempo. Ler o livro é fazer essas vozes ressoarem com força.

Bucala, A Pequena Princesa Do Quilombo Do Cabula
Davi Nunes / Ilustrações: Daniel Santana

Bucala era a menina mais bonita do quilombo do Cabula. Quase toda manhãzinha o cabelo de Bucala era trançado com carinho por sua mãe. Quase toda noite seu pai a segurava pela cintura e a erguia ao céu, brincando com ela. Desses atos de afeto e da energia pura do quilombo, o axé, nascia a magia que envolvia a vida de Bucala. Ela voava no pássaro preto, cavalgava a onça suçuarana e mergulhava no reino das águas doces. A mata ao redor do quilombo era como uma muralha, que protegia aquele mundo onde Bucala era uma princesa. Havia os perigos que ameaçavam o lugar, homens com palavras horríveis tatuadas na pela e na testa. Mas podemos sentir que Bucala era feliz e estava segura. Esse mundo que o autor Davi Nunes nos mostra está enraizado nas tradições afro-brasileiras e o texto é um exemplo de que temos um rico imaginário de onde podemos extrair histórias que têm a força de encantar. Ao falar sobre a vida de Bucala, Davi nos fala dos quilombos, dos afetos entre pais e filhos, de sonhos e da magia que nasce da coroa de Bucala, uma coroa formada pelos seus cabelos crespos. Davi usa de forma criativa esses elementos de nossa história e nos conduz por um texto cheio de imaginação e encanto.

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