Raça Indica: Doutor Gama, de Jeferson De

Forte, sensível e capaz de retirar das profundezas de nossas mazelas, força para seguir em frente. 

Jeferson De mais uma vez me surpreende ao entregar um filme forte, sensível e capaz de retirar das profundezas de nossas mazelas, força para seguir em frente. Essa foi a sensação após assistir o filme de 1h32 min, lançado neste ano de 2021, sob o título “Doutor Gama”. Ele apresenta uma cinebiografia de Luiz Gama (1830-1882), filho de Luiza Mahin (mulher negra) e de um fidalgo português cujo nome nunca é citado, nascido livre, depois escravizado e que, novamente livre, se tornou um dos mais importantes intelectuais da história do Brasil.

O filme narra a vida de Luiz Gama desde a infância até a vida adulta e, obviamente, dá destaque ao seu trabalho como advogado abolicionista. Ele foi responsável por libertar mais de 500 pessoas escravizadas e venceu casos emblemáticos como o que o próprio filme retrata, quando defendeu um homem negro, escravizado que matou o seu “senhor”. Luiz Gama vence o caso e o faz sob a perspectiva da legítima defesa. Ainda que a argumentação feita com eloquência por Cesar Mello, que interpreta Gama no filme,  ele alça o réu à condição de cidadão, de detentor de direitos, o que até então, no meu conhecimento restrito, não era uma premissa para pessoas escravizadas.   

Outros dois aspectos do filme chamaram a minha atenção: a presença feminina e a capacidade de Luiz Gama em aproveitar oportunidades transformadoras. 

Para o primeiro ponto, o diretor, mesmo que por poucos minutos, coloca a mãe de Luiz Gama em destaque. Isso poderia ser um ponto com pouca relevância se não fossem as constantes desconfianças e insistência em questionar não só a existência a de Luiza Mahin, como também o fato de ela ser mãe de Luiz Gama, ainda que ele tenha afirmado que Luiza era sua mãe em carta enviada para Lúcio de Mendonça, conforme destaca o livro, “Com a palavra, Luiza Gama”, de Lígia Fonseca Ferreira. A presença marcante e incentivadora de sua companheira, Claudina Fortunata, interpretada no filme por Mariana Nunes. 

O segundo ponto está no fato que a despeito de toda uma vida de obstáculos gigantescos, Luiz Gama, assim como muitos cidadãos negros brasileiros, aplicou o conceito de resiliência e refutou com grandiosidade o que conhecemos hoje por meritocracia. No filme, fica evidente que ele, com inteligência, aproveitou todas as oportunidades transformadoras que pode enxergar e, mais do que isso, contou com apoio de toda uma comunidade para se tornar o homem que se tornou e que hoje é reconhecido como um dos intelectuais de maior expressão no país. 

Jeferson De colocou à disposição dessa história um elenco estrelado. Luiz Gama é vivido na infância por Pedro Guilherme (que fez “Amor de Mãe”), na juventude por Angelo Fernandes e na fase adulta por Cesar Mello. Mariana Nunes fez sua esposa, Claudina Fortunata. Além deles, estão no filme a aclamada Zezé Motta, Eron Cordeiro, Clara Choveaux e Isabel Zuaa, que interpreta Luiza Mahin. 

Foto: Divulgação.

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Jornalista com experiência em gestão, relações públicas e promoção da equidade de gênero e raça. Trabalhou na imprensa, governo, sociedade civil, iniciativa privada e organismos internacionais. Está a frente do canal "Negra Percepção" no YouTube e é autora do livro 'Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia'.

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