Racismo e trabalho no campo da moda.

 

Camarim TCA, Desfile da Coleção Asè por Edgar Azevedo.

Nos desfiles de moda, além da pequena quantidade de modelos negros e negras, é possível observar a divisão de gênero e raça mesmo nos bastidores dos eventos. Podemos observar isso analisando as características dos estilistas que, em grande maioria, são homens e brancos; também a diferença entre stylists, produtoras de moda e camameiras, por exemplo, corresponde a muitos dos padrões socialmente estabelecidos como trabalhos “de” homem ou de mulher, de gente branca ou negra, de gente rica ou pobre… Esse binarismo assimétrico é replicado desde a esfera considerada subalterna – costureiras, cortadores, técnicos e montadores de passarela – até o universo mais bem remunerado ou valorizado como a produção executiva, assessoria de imprensa, fotografia e etc.

A marca dos efeitos econômicos, sociais, políticos e culturais do racismo, pode ser facilmente percebida no campo das representações imagéticas nacionais, especialmente nas narrativas televisivas, por meio das novelas, da ausência de pessoas negras como âncoras de jornais e demais programas de TV, e no contexto da Moda, as assimetrias são bem perceptíveis. Um termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado em 2009, entre a organização da maior semana de moda do Brasil e o Ministério Público do Estado de São Paulo, sugeriu às grifes a contratação de modelos negros e negras. O acordo estabelecia que 10% das modelos de cada desfile precisariam ser, necessariamente, negras ou de descendência indígena e, caso alguma marca não cumprisse o acordo, a organização estaria sujeita a uma multa de 250 mil reais; mas o TAC teve a duração de apenas dois anos, terminando em 2011. Nesse período foram escritas muitas matérias jornalísticas sobre o assunto e hoje, numa rápida pesquisa via internet, poderemos colecionar as reações de jornalistas e demais profissionais da área, com seus indescritíveis posicionamento racistas.

Na Bahia, mesmo que sejamos maioria numérica da população, são reproduzidos padrões semelhantes e as modelos negras trabalham pouco ou compõem a cota obrigatória na moda e na publicidade. Especialmente, sendo um estado composto por um recorte significativo de descendentes de africanos capturados, no período da colonização, podemos reconhecer na estética da cultura, um dos traços que contribui para diagnosticar os efeitos da segregação racial, analisando como foi efetiva a manutenção de um legado cultural riquíssimo, como o candomblé, a capoeira, o samba de roda, o maculelê, a música e outros ritos tradicionais e festas populares que não se encontram em qualquer outro lugar fora do Brasil.

 

O Brasil foi a nação que mais importou africanos entre os séculos XVI e XIX e também foi o último país a acabar com o regime de escravidão nas Américas. Este grande quantitavo populacional e a qualidade das expressões artísticas e culturais de resistência, é inversamente proporcional à condição de minoria em representatividade que as pessoas negras ocupam nos mais diversos setores da sociedade baiana e brasileira. Assim, busco também questionar qual o papel das artes, do design e de demais produções da nossa cultura material nos processos de auto-reconhecimento e construção de auto-estima da população negra?

CAROL BARRETO

Mulher Negra, Feminista e como Designer de Moda Autoral elabora produtos e imagens de moda a partir de reflexões sobre as relações étnico-raciais e de gênero.  Professora Adjunta do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade – FFCH – UFBA e Doutoranda no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade – IHAC – UFBA, pesquisa a relação entre Moda e Ativismo Político.

 

*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas

 

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