Racismo – Um assunto no qual o Brasil é mestre.

21 de março é o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, data outorgada pela ONU, por conta do Massacre ocorrido na cidade de Shapperville/África do Sul, em 1960, quando 69 pessoas foram assassinadas e centenas ficaram feridas, pela polícia local, ao protestarem contra a Lei do Passe que proibia a circulação dos negros sul-africanos em seu próprio país.  Por isso mesmo, momento mais do que oportuno para que acirrados debates ocorram sobre a natureza do racismo brasileiro e de quais os caminhos mais eficazes para combatê-lo visto que o país é um dos exemplos mais bem acabados de discriminação racial existente no mundo. 

E a bola da vez está com o Professor, Jornalista, Escritor e Sociólogo Muniz Sodré, que aproveitando o lançamento do seu novo livro “O Fascismo da Cor”, discorreu e polemizou de forma elegante sobre o conceito de Racismo Estrutural que vem sendo largamente adotado no Brasil nos últimos tempos. Muitos/as consideraram que era uma provocação de Muniz ao também Professor, Advogado e Filósofo, Silvio Almeida, que ocupa o cargo de Ministro dos Direitos Humanos do Governo Federal e também um estudioso do tema. No meu modo de entender um grande engano. O país anda tão desacostumado com o debate de ideias de forma aberta e serena que qualquer análise um pouco mais profunda sobre a gravidade dos problemas que vivemos é imediatamente taxado de conflito, ofensa ou desqualificação do outro, quando na verdade o que mais precisamos no momento é refletir sobre esses problemas e dessas reflexões extrairmos as saídas necessárias e urgentes para os nossos dramas.

Assim como o Professor Muniz Sodré, estou entre aqueles que possuem sérias dúvidas sobre a aplicabilidade do conceito de racismo estrutural para o caso brasileiro. Não por diletantismo intelectual mais por conta da resiliência com que o racismo se mantém vivo e ativo no Brasil, assim como por conta da incapacidade das estratégias que temos utilizados ao longo da nossa história produzir resultados positivos do tamanho e da grandeza que o problema exige. Mais grave ainda, de como o racismo apesar de toda a vilania que concentra em sua prática, ainda assim consegue conquistar adeptos entre as suas próprias vítimas, a exemplo do que ocorreu com a Fundação Palmares. 

“A grande dificuldade do combate ao racismo no Brasil éque, aqui, a negação funciona. O grande mecanismo do racismo é a negação.”. Esse é um dos grandes enigmas do racismo no Brasil. Durante muito tempo e ainda hoje o maior esforço do movimento negro brasileiro é ter que provar, inclusive para outros negros/as de que o racismo existe e causa danos profundos tanto a população negra como a sociedade como um todo. Essa singularidade do racismo brasileiro por si só já mereceria atenção, mas quando confrontado com a realidade social é mais chocante ainda. Em 2021, o Instituto Locomotiva realizou uma pesquisa na qual identificou que 84% dos entrevistados admitia que existisse racismo no Brasil, mas apenas 4% se consideravam racistas. É claro que essa conta não fecha. E é sobre isso que a meu ver Muniz Sodré está nos chamando atenção. 

Mais adiante, na entrevista Muniz afirma: “Para mim, o racismo é institucional e intersubjetivo. Por isso ele é muito difícil de combater. Você não o pega. Se o racismo brasileiro fosse estrutural, já teríamos acabado com ele. O movimento negro é o movimento mais antigo da sociedade brasileira, ele vem desde a Abolição.. Quem sabe não seja essa a razão de não conseguirmos combater o racismo brasileiro com a devida eficácia. O racismo institucional tem nome, sobrenome, endereço, território e age a luz do dia, fazendo uso de um arsenal amplo e complexo em todos os campos sociais, no legislativo, executivo, judiciário e tem passado ao largo das nossas ações como se fossem instituições democráticas a serem conquistadas e serem colocadas a serviço do povo, quando na verdade elas encarnam a forma mais dura, sofisticada e longeva do racismo e da difusão do racismo no Brasil. 

A polícia quando entra na favela está executandomarginais para proteger a sociedade, é assim que essa instituição vende sua imagem e seus serviços e não de que estão fazendo limpeza étnica exterminando negros/as. O judiciário ao mitigar o racismo e transformá-lo em injuria racial não assume que está promovendo e legalizando a impunidade dos racistas, mas apenas cumprindo o normativo legal, interpretando a lei para pequenos delitos. Quando os partidos fraudam as cotas raciais nas eleições é porque todo mundo tem um pé na cozinha e não porque desejam impedir a presença de negros nas estruturas de poder político. E assim por diante. 

Por isso que não só saúdo o nosso Obá de Xangô (Orixá da Justiça) do Ilê Axé Opô Afonjá, pela coragem em trazer reflexões tão profundas e pertinentes para o momento que estamos vivendo, como também me incorporo a esse debate, até porque, sem esse aprofundamento dificilmente sairemos vitoriosos nesse mundo de ódio e mentiras que o fascismo tem nos enredado. 

Toca a zabumba que a terra é nossa!

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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