Renascença, o reduto negro do samba carioca.
Fotos:Tyno Cruz
Clube foi fundado em 1951 para que famílias negras pudessem frequentar sem preconceito.
Uma rua estreita, residencial, no bucólico bairro do Andaraí, na Zona Norte carioca, abriga um dos mais tradicionais e representativos redutos da cultura negra. Fundado em 17 de fevereiro de 1951, o Renascença Clube foi pensado como um local onde as famílias negras pudessem se reunir e se divertir numa harmoniosa convivência social e cultural.
Espaço de resistência, valorização e resgate da tradição cultural negra, o Renascença Clube, carinhosamente conhecido como Rena, abre suas portas – literalmente para todas as tribos. Crianças, jovens, adultos e idosos de todas as raças, credos e classes sociais, compartilham uma programação que privilegia as mais diversas expressões culturais: samba, teatro, capoeira, cinema, balé, almoços dançantes e festas infantis. “As pessoas chegam aqui e pensam que vão encontrar um clube com tapete vermelho na entrada e pretos metidos. A nossa finalidade aqui é receber bem as pessoas e curtir um bom samba.O Rena é um clube de samba de família, mas também tem paquera. Aqui se comemora casamento, desquite, tudo num ambiente seguro no qual as crianças brincam enquanto os pais estão na roda”, destaca Araquém Azeredo, vice-presidente de Comunicação do clube. Presidido por Luiz Manoel do Nascimento, o Renascença Clube tem capacidade de lotação para mil pessoas, e recebe grupos para realização de eventos sociais e esportivos em suas dependências (quadra, churrasqueira, mezanino, carambola e varandão).
Toda segunda-feira acontece o Samba do Trabalhador, uma das mais clássicas e importantes rodas de samba da cidade, que atrai gente de todos os cantos do Rio de Janeiro. Sempre a partir das 16h, o evento é essencial para quem deseja vivenciar a cultura do samba de raiz em sua mais pura forma. Comandado por Moacyr Luz, o Samba do Trabalhador tem esse nome como uma galhofa com a rotina dos músicos, que labutam no fim de semana e folgam às segundas. A roda, que já foi parar nas páginas do “New York Times” começou em 2005 na sombra da caramboleira no pátio do clube.
No fim dos anos 1950 o clube passou a se divulgar promovendo bailes de gala no Hotel Glória e, depois, concursos de beleza, dos quais despontou a primeira Miss Guanabara negra, Vera Lúcia Couto dos Santos, eleita em 1964. Não tardou para o Renascença se tornar um polo cultural na região. O clube foi palco da primeira montagem da peça “Orfeu Negro”, de Vinicius de Moraes. Atualmente, sob a chancela da vice-presidente cultural Nanci Aguiar, o Rena mantém semanalmente um cineclube para crianças de escolas da região, com filmes ligados à negritude. Eventos comemorativos dos dias da Abolição e Consciência Negra também estão na agenda fixa. No final do ano passado, o clube foi visitado pelo ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, cujo desenho figura numa pequena exposição sobre personalidades negras na quadra de basquete.
Resistência desde 1951
O Renascença Clube foi fundado em 17 de fevereiro de 1951 por um grupo de negros de classe média que, impedidos de ingressar em clubes tradicionalmente frequentados por famílias brancas, resolveu criar uma agremiação onde as famílias negras pudessem se reunir e se divertir numa harmoniosa convivência social e cultural, onde não fossem, portanto, discriminados.
O nome Renascença homenageava o movimento Harlem Renaissance, que marcou o florescer de uma nova cultura negra americana no início do século passado.
A primeira sede foi numa casa antiga, pequena, com grande quintal arborizado, na rua Pedro de Carvalho, no bairro do Méier, Zona Norte do Rio. A flor-de-lis, ornamento heráldico em forma de um lírio estilizado, foi o símbolo escolhido pelo grupo fundador para representar o clube.
Ao longo de sua existência, o Rena sempre se preocupou com a condição do negro em nossa sociedade, já que a ele estavam reservados os degraus inferiores da escala social. Por isso, consagrou-se como o local no qual os afrodescendentes entravam pela porta da frente, resistindo à intolerância étnica percebida já naquela época.
Do ponto de vista cultural, o Rena sempre se caracterizou como uma agremiação de vanguarda, tendo revelado inúmeras personalidades artísticas afro-brasileiras, entre diversos outros campos de atuação. Por volta de 1958, o clube foi transferido para a rua Barão de São Francisco, no Andaraí, bairro da
Zona Norte, onde até hoje se mantém sediado, resistindo, valorizando e resgatando a tradição cultural.
De olho na cultura negra
Projeto do Departamento Cultural e Artístico do Renascença Clube, o RenaCine tem como proposta a exibição de filmes (curtas e longas) com temática negra. Realizado toda primeira sexta-feira do mês, o projeto completa, em agosto de 2018, seis anos de realização.
RenaCine Escolar é uma variação do RenaCine, e tem como foco principal a exibição e discussão de filmes com temáticas raciais para alunos matriculados nas escolas municipais do entorno, uma parceria do Renascença Clube com a Secretaria Municipal de Educação – 2a Coordenadoria Regional de Educação, que permite o cumprimento do que determina a Lei 10639/03 alterada pela Lei 11645/08, que versa sobre a obrigatoriedade da discussão da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Desde 2015 o Projeto RenaCine Escolar, conforme o Calendário Escolar, normalmente às quartas- feiras, de 10h ao meio-dia, exibe filmes que objetivam informar e instrumentalizar a nossos jovens a valorização dos nossos heróis e das nossas heroínas, como exemplos de perseverança, garra e autoestima.
Outra atividade do Depto. Cultural, em parceria com o Instituto Mastogin, é a prevenção do câncer de mama nos meses de março – pelo Dia Internacional da Mulher, com o projeto “Mulher Bonita por Dentro e Por Fora – e outubro, por conta do “Outubro Rosa”, com o projeto “Mulheres que se Cuidam”. As ações são desenvolvidas desde 2014, com a realização da mamografia e acompanhamento.
A literatura também tem vez e voz no clube através da FLISAMBA – Feira Literária do Samba – que este ano será realizada no mês de agosto, homenageando o cantor Martinho da Vila e a professora Helena Theodoro. A Feira reúne escritores de temática da literatura afro-brasileira, lançamentos de livros, exposições, exibição de filmes, debates, gastronomia, roda de conversa, como também roda de samba.