Em 12 de agosto de 1798, Salvador foi palco de um dos levantes mais ousados e menos lembrados da história brasileira: a Revolta dos Búzios ou Conjuração Baiana. Revoltosos soldados, artesãos, negros livres e escravizados se uniram em torno de um sonho radical: uma república sem escravidão, com igualdade jurídica e participação política para todos. Ao usarem búzios como símbolo de identidade e proteção, eles desafiaram a ordem colonial com coragem e propósito.
A repressão foi brutal: em novembro de 1799, quatro líderes foram enforcados e esquartejados publicamente, e os demais conspiradores sofreram prisões, açoites e degredos. A mensagem era clara: não se toleraria qualquer projeto que colocasse pessoas negras e pobres no centro da história. Hoje, aquela afronta contemporânea se reencontra em dados alarmantes sobre a vida de milhões de brasileiros negros.
Além da economia, a discriminação racial tem efeito direto na saúde pública e na percepção social. Um estudo nacional indica que 84% dos negros já sofreram discriminação cotidianamente. E, no cenário político, a representação segue tímida: só 24% dos deputados federais se identificam como negros, enquanto mais de 56% da população é preta ou parda.
A Revolta dos Búzios, liderada por pessoas pobres e negras, foi um aviso incendiário contra uma sociedade que apenas tolera a existência negra nas margens. Hoje, apesar de avanços como a ampliação de cotas para negros em concursos públicos a cota para cargos federais subiu de 20% para 30% em junho de 2025, os desafios ainda são estruturais e persistentes.
Reconhecer esses laços entre passado e presente é mais do que historiografia: é reafirmar que a luta por igualdade social e racial segue atual. A memória dos búzios toca fundo, lembrando que justiça ainda é uma conquista a ser diária e incansavelmente buscada.