Victor era mui jovem.
Nem adolescente ainda.
Nascera em Sagua al Grande, 1937, na província de Villas, em Cuba.
Num bairro de nome sugestivo: Pueblo Nuevo.
Numa casinha pequenina, coberta com palmas, piso de terra.
Família muito pobre.
Pai, na lida de pescador, de onde tirava o pão de cada dia.
Lida sofrida, difícil.
Via o sofrimento nas faces do pai.
O pai, negro, ele negro.
Nem adolescente ainda, começou a ouvir os conselhos dele:
_ No te metas em nada.
O pai não era a favor de Batista, o ditador.
Era contra.
Porém, não acreditava em ninguém.
Não havia saídas.
Dizia ao filho:
_ No te metas em nada. Esto va a seguir igual que siempre.
Victor escutando, atento. Palavra de pai.
_ Ahora gana uno y después gana el otro y siempre van a ser los que tienen dinero, los que están en el poder.
Queria o melhor para o filho:
_ Estudia y prepárate e no metas em huelgas ni en nada de eso, que no vas a llegar a ningún lado.
E alertava:
_ Además, eso no es para los negros.
Antes da Revolução Cubana, antes de 1959, era esse o pensamento de muitos negros em Cuba, um pensamento conformista. Melhor restar quieto, senão o pau comia no lombo, sempre no lombo dos negros.
Racismo.
Cuba chegou a se transformar no maior produtor de açúcar do mundo no século XIX, e Havana, o maior mercado de africanos escravizados no Caribe em 1839, importando cerca de 10 mil escravos por ano. Entre 1810 e 1870, escravistas de Havana adquiriram 600 mil escravos.
Havia revoltas.
E muita repressão.
Crescimento permanente do racismo.
Victor ouvia, mas foi só chegar a adolescência, e já era um rebelde.
Não ouviria o pai.
Estive com ele, agora, no início de maio deste ano, em Havana, gozando saúde, muito forte aos 88 anos.
Gozando, ainda, da simpatia de Ana Morales, militante, vereadora de Playa, um dos 15 municípios a constituir Havana.
Pela primeira vez.
Conhecia outro herói da Revolução Cubana.
Revolucionário desde os 15 anos, quando do golpe de Fulgêncio Batista, 10 de março de 1952.
Os trabalhadores cubanos eram superexplorados em Cuba, mais ainda os trabalhadores negros, além de tudo submetidos a um racismo cruel.
E por esse racismo, o pai insistia com o filho para não se meter em nada, em greves, movimentações políticas, nada. Nada disso adiantava, sobretudo para os negros.
Víctor Dreke não ouviu o pai.
Envolveu-se profundamente com a Revolução.
Lutou em Escambray, região decisiva para a vitória dos revolucionários, lado a lado com Che Guevara.
Na mesma área, depois, foi um dos comandantes da luta contra os contrarrevolucionários acantonados em Escambray a soldo dos EUA.
Longa luta, vitoriosa.
Lutou na Baía dos Porcos, quando da invasão de mercenários vindos dos EUA, organizada pela CIA.
Lutou ao lado de Guevara, no Congo.
Ferido várias vezes em combate, jamais desistiu da luta.
Agiu em sentido contrário ao desejo do pai.
E ao agir assim, estava ao lado dele.
Nos primeiros meses de 1959, logo após a entrada dos revolucionários em Havana, depois da marcha vitoriosa vinda desde Sierra Maestra, o novo governo, sob a direção de Fidel Castro, declarou ilegais as múltiplas formas de discriminação racial contra os negros.
Declarou guerra ao racismo.
Nas semanas seguintes, todos os armazéns, lojas, bares, quaisquer instalações públicas, todas as praias, foram declaradas abertas aos negros.
Não ousassem contrariar aquelas determinações.
Os soldados e milicianos do Exército Rebelde faziam cumprir a nova lei.
Estabelecimento recusasse, imediatamente fechado.
Mão de ferro contra o racismo.
Ter estado na casa daquele combatente, na residência daquele casal, entupida de livros, negros e revolucionários, orgulhosos da trajetória deles, ele muito feliz em contar a rebeldia em relação às opiniões do pai, foi um dos momentos comoventes nessa quinta visita minha à Ilha.
Ganhei um presente: “Em la vogárine da la Revolución Cubana. De la sierra del Escambray al Congo: Víctor Dreke”, longo depoimento sobre a áspera e gloriosa caminhada dele, mais de 200 páginas.
Estávamos conversando numa varanda agradável. De repente, ele se levantou, e passou um com tempo andando pela casa. Voltou e me deu o livro, autografado. Noite de 6 de maio deste 2025. Regalo jamais esquecido.
E muito feliz, o casal, pelas conquistas da Revolução em relação ao racismo.
Naquela noite, ao sairmos, levamos, eu e Jorge Ferrera, outro revolucionário cubano, a professora Ana Morales para uma reunião, cumprindo tarefas de vereadora.
Cuba, sempre uma surpresa.