Salvador, onde uma simples caminhada vira um evento

Não sou adepto do estilo geração saúde, mas não renuncio à esteira pela manhã quando estou em São Paulo ou àcaminhada quando visito Salvador. Este ano, como de costume, chamei o amigo e empresário Mario Nelson, que se torna parceiro do percurso Barra-Ondina quando estou de férias na cidade. Logo de imediato ele disse que agora só caminhava nos finais de semana, então marcamos para o domingo.

No sábado, quando me passou a lista dos que nos acompanhariam no percurso, eu gargalhei e disse: nossa caminhada já se tornou um evento! E que evento, afinal fariam parte dele Silvio Humberto, vereador pelo PSB,agora em sua quarta legislatura e uma das grandes lideranças negras da Bahia, Marivaldo do Amaral, vice-prefeito de São Francisco do Conde, cidade mais negra do Brasil, onde 97% da população se declaram como tal, e Leonardo Silva, doutor em Engenharia Química,engenheiro e empresário de energia solar.

O trajeto ao lado do mar com os parceiros foi uma experiência única, que transcendeu a simples atividade física. Foi um momento de conexão profunda, em que a beleza natural se uniu à riqueza, à cultura e à força da amizade, e os assuntos foram os mais variados, como religiosidade, representação política, econômica e juventude negra, entre outros.

A brisa do mar e som das ondas criam um ambiente propício para compartilhar histórias, sonhos e desafios de uma cidade e país cuja dívida histórica ainda não foi paga aos que efetivamente construíram a Roma Negra. Mesmo ocupando cada vez mais espaços nas universidades, na economia, no empresariado, ainda estamos distantes do lugar que nos é devido nesta cidade e país, que sem nossa mão de obra não existiriam e que ainda são comandados política e economicamente por uma minoria branca, relata o casal jovem de advogados Leonardo e Jessica Owadokum, também presentes na caminhada.

À medida que vamos acelerando os passos aumenta o suor, e também a fraternidade se fortalece. A troca de experiências e perspectivas cria laços indestrutíveis, fundamentados na empatia e no respeito mútuo. A cor da pele, frequentemente fonte de discriminação, se torna símbolo de orgulho e resistência e do bate-papo e ideias de como furar a bolha e sonhar com o óbvio, mas imaterial até o momento, de colocar as mãos sobre a caneta executiva que governa uma das cidades mais pretas do mundo.

O percurso se transforma em um espaço de apoio emocional, em que amigos compartilham suas lutas e vitórias, experiências no campo acadêmico, empresarial, social e político, tudo compartilhado, e a amizade se torna uma força matriz, impulsionando cada um a superar obstáculos e prosseguir nos objetivos. A confiança recíproca cria um ambiente seguro para explorar ideias e projetos coletivos, como historicamente fizeram negros e negras que nos antecederam e nos deram esperanças para continuarmos a luta nos dias de hoje.

A resiliência é outra virtude cultivada nessa caminhada,nos levando a refletir que, ao enfrentar desafios juntos, amigos desenvolvem estratégias próprias para superar barreiras raciais e sociais. A troca de conhecimentos e experiências enriquece a visão de mundo, nos fortalecendo para enfrentar os desafios do dia a dia. Além disso, a simples caminhada gerou ideias, projetos políticos e comerciais inovadores. A troca de informação e a colaboração podem dar origem a reflexões sobre estratégias que promovam a igualdade racial e o empoderamento político e econômico.

Chegamos ao Rio Vermelho, ponto final do percurso, onde mais ideias e projetos emergiram e, com certeza, serão pautas para futuras empreitadas ou arquivados, quem sabe,pelo Jorge Cruz, diretor-geral do Arquivo Público da Bahia, que também fez parte do grupo onde a solidariedade, o espírito coletivo e o sonho de um futuro melhor para negros e negras têm que permanecer porque foi o que nos trouxe até aqui, relata Silvio Humberto, a liderança política da caminhada.

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jornalista CEO e presidente do Conselho editorial da revista RAÇA Brasil, analista das áreas de Diversidade e inclusão do jornal da CNN e colunista da revista IstoÉ Dinheiro

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