Encontros com África.
Como se ela quisesse me dizer coisas.
Quando saí da prisão, no final de 1974, o primeiro deles.
Deparo, nem sei por quais caminhos, com Teresa Sá Nogueira.
Jornalista, e profunda conhecedora da situação das quase ex-colônias portuguesas na África Austral.
O processo de independência, a todo vapor, bafejado pela Revolução dos Cravos e, obviamente, pela luta dos partidos revolucionários da região, levando à frente uma tenaz luta armada contra o colonialismo português.
Decorrente daquele contato produzi uma série jornalística, publicada na “Tribuna da Bahia, onde trabalhava, em torno das quase ex-colônias, cujo processo ganharia mais intensidade no ano de 1975, quando se concluiria a independência delas – de Moçambique, de Angola, de Guiné-Bissau.
Minto: Guiné-Bissau tornou-se independente antes, já em setembro de 1973, de reconhecimento oficial, um ano depois, em 1974, poucos meses após a Revolução dos Cravos.
Agora, mais recentemente, sou levado a escrever sobre a participação de Paulo Miguez, atual reitor da Universidade Federal da Bahia, na Revolução Moçambicana, e volto a mergulhar na história da África Austral, mais especificamente na história de Moçambique.
Naquela série, passado já meio século, muitos personagens me impressionaram.
Destaque para um: a principal liderança de Guiné Bissau, Amílcar Cabral.
Um revolucionário singular.
De formação marxista.
Poeta e pedagogo.
Pedagogo da Revolução.
Interesse profundo pela educação, vinculava o processo revolucionário à educação.
Chegou a chamar a atenção de Paulo Freire, não por acaso.
Como alguns outros dirigentes revolucionários daquela região, não custa lembrar Eduardo Mondlane, pensou primeiro num processo pacífico de libertação.
E como Mondlane, fundador da FRELIMO, compreenderá, com o andar da carruagem, não existir outro caminho, senão o da luta armada.
Funda, em 1956, o Partido Africano para a Independência/União da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), ao lado do irmão Luís Cabral, Aristides Pereira, Júlio de Almeida, Fernando Fortes e Elisée Turpin.
O PAIGC não nasce voltado à luta armada. Esta, deflagrada somente em 1962, depois de conquistada, em 1961, a unidade das forças nacionalistas da região, envolvendo Angola, Moçambique e naturalmente Guiné Bissau e Cabo Verde, unidade consagrada na Conferência das Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas.
A mim, por leituras, chega uma curiosidade.
Um dos países a ajudar a luta revolucionária da Guiné Bissau, depois de um encontro entre Amílcar Cabral e Fidel Castro, foi Cuba.
A me chamar atenção: o comandante militar enviado à Guiné Bissau foi Víctor Dreke, um dos grandes da Revolução Cubana, em cuja casa estive agora, no início de maio, em Havana, e de cuja trajetória venho me ocupando nos últimos dias.
Mataram o poeta.
Mataram uma das maiores e mais densas lideranças revolucionária daquela região.
Como ele mesmo profetizara, fosse morto, o seria pelos mais próximos.
O colonialismo português deu um jeito de aliciar uns poucos do entorno de Amílcar Cabral, e assim ele foi assassinado, em 20 de janeiro de 1973.
Deixou raízes, um partido forte, determinado. Em setembro do mesmo ano, a independência do país é declarada unilateralmente, e o primeiro presidente, Luís Cabral, irmão dele.
Tinha apenas 48 anos quando foi morto.
Deixou legado.
Antes de ser assassinado, cunhou uma lição, e parecia falar da própria morte:
_ O povo africano sabe muito bem: a serpente pode mudar de pele, mas é sempre uma serpente.
Perguntaram a ele:
_ Não houve nenhuma ação positiva do colonialismo em África?
A resposta:
_ Para os africanos, que durante cinco séculos se opuseram à dominação colonial portuguesa, o colonialismo é o inferno. Onde reina o mal, não há lugar para o bem.
Um revolucionário como Amílcar Cabral não morre.
O pensamento dele persiste.
Espalha-se pelo mundo.
Como nuvens, as ideias dele ajudam a mente e o coração dos povos na luta pela liberdade, pelo socialismo, e contra o racismo, ainda a nos desafiar em tantos países.
Amílcar Cabral, presente!
Sempre.