Revista Raça Brasil

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Serpente muda de pele, mas será sempre serpente

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Emiliano José

Paulista radicado na Bahia, jornalista, escritor, e imortal da Academia de Letras da Bahia. Formado em Comunicação, Mestre e Doutor. Tem histórica militância política, desde o combate à ditadura militar (1964-1985), como integrante da Ação Popular (AP), passando pelo exercício de mandatos como deputado estadual pelo PMDB-BA (1988-1989), vereador de Salvador pelo PT-BA (2000-2002), deputado estadual (PT-BA) de 2003 a 2005, e deputado federal também pelo PT de 2009 a 2011. Elegeu a defesa das religiões de matriz africana como prioridade e presidiu a Comissão Especial para Assuntos da Comunidade Afrodescendente (CECAD) da Assembleia Legislativa da Bahia (2003 e 2004).

Encontros com África.

Como se ela quisesse me dizer coisas.

Quando saí da prisão, no final de 1974, o primeiro deles.

Deparo, nem sei por quais caminhos, com Teresa Sá Nogueira.

Jornalista, e profunda conhecedora da situação das quase ex-colônias portuguesas na África Austral.

O processo de independência, a todo vapor, bafejado pela Revolução dos Cravos e, obviamente, pela luta dos partidos revolucionários da região, levando à frente uma tenaz luta armada contra o colonialismo português.

Decorrente daquele contato produzi uma série jornalística, publicada na “Tribuna da Bahia, onde trabalhava, em torno das quase ex-colônias, cujo processo ganharia mais intensidade no ano de 1975, quando se concluiria a independência delas – de Moçambique, de Angola, de Guiné-Bissau.

Minto: Guiné-Bissau tornou-se independente antes, já em setembro de 1973, de reconhecimento oficial, um ano depois, em 1974, poucos meses após a Revolução dos Cravos.

Agora, mais recentemente, sou levado a escrever sobre a participação de Paulo Miguez, atual reitor da Universidade Federal da Bahia, na Revolução Moçambicana, e volto a mergulhar na história da África Austral, mais especificamente na história de Moçambique.

Naquela série, passado já meio século, muitos personagens me impressionaram.

Destaque para um: a principal liderança de Guiné Bissau, Amílcar Cabral.

Um revolucionário singular.

De formação marxista.

Poeta e pedagogo.

Pedagogo da Revolução.

Interesse profundo pela educação, vinculava o processo revolucionário à educação.

Chegou a chamar a atenção de Paulo Freire, não por acaso.

Como alguns outros dirigentes revolucionários daquela região, não custa lembrar Eduardo Mondlane, pensou primeiro num processo pacífico de libertação.

E como Mondlane, fundador da FRELIMO, compreenderá, com o andar da carruagem, não existir outro caminho, senão o da luta armada.

Funda, em 1956, o Partido Africano para a Independência/União da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), ao lado do irmão Luís Cabral, Aristides Pereira, Júlio de Almeida, Fernando Fortes e Elisée Turpin.

O PAIGC não nasce voltado à luta armada. Esta, deflagrada somente em 1962, depois de conquistada, em 1961, a unidade das forças nacionalistas da região, envolvendo Angola, Moçambique e naturalmente Guiné Bissau e Cabo Verde, unidade consagrada na Conferência das Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas.

A mim, por leituras, chega uma curiosidade.

Um dos países a ajudar a luta revolucionária da Guiné Bissau, depois de um encontro entre Amílcar Cabral e Fidel Castro, foi Cuba.

A me chamar atenção: o comandante militar enviado à Guiné Bissau foi Víctor Dreke, um dos grandes da Revolução Cubana, em cuja casa estive agora, no início de maio, em Havana, e de cuja trajetória venho me ocupando nos últimos dias.

Mataram o poeta.

Mataram uma das maiores e mais densas lideranças revolucionária daquela região.

Como ele mesmo profetizara, fosse morto, o seria pelos mais próximos.

O colonialismo português deu um jeito de aliciar uns poucos do entorno de Amílcar Cabral, e assim ele foi assassinado, em 20 de janeiro de 1973.

Deixou raízes, um partido forte, determinado. Em setembro do mesmo ano, a independência do país é declarada unilateralmente, e o primeiro presidente, Luís Cabral, irmão dele.

Tinha apenas 48 anos quando foi morto.

Deixou legado.

Antes de ser assassinado, cunhou uma lição, e parecia falar da própria morte:

_ O povo africano sabe muito bem: a serpente pode mudar de pele, mas é sempre uma serpente.

Perguntaram a ele:

_ Não houve nenhuma ação positiva do colonialismo em África?

A resposta:

_ Para os africanos, que durante cinco séculos se opuseram à dominação colonial portuguesa, o colonialismo é o inferno. Onde reina o mal, não há lugar para o bem.

Um revolucionário como Amílcar Cabral não morre.

O pensamento dele persiste.

Espalha-se pelo mundo.

Como nuvens, as ideias dele ajudam a mente e o coração dos povos na luta pela liberdade, pelo socialismo, e contra o racismo, ainda a nos desafiar em tantos países.

Amílcar Cabral, presente!

Sempre.

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