Setembro Amarelo: qual a cor do suicídio no Brasil?

Por: Shenia Karlsson

Eis que chega Setembro, mês da primavera tão esperada, com ela o desabrochar da esperança e da renovação da vida. Poderia recorrer a poesia para falar dos eventos que a natureza revela nessa época do ano, mas o meu intuito aqui é chamar a atenção para o Setembro Amarelo, um mês de conscientização e combate ao suicídio. Falar de suicídio é sempre desconfortável, triste e difícil, é um assunto delicado, daqueles que falamos somente quando nos atinge, quando chega bem perto, não é verdade?!

De acordo com a OMS os índices de suicídio no mundo cresceram nos últimos anos, e está no topo dos fenômenos que mais matam, especialmente os jovens. No Brasil, alguns resultados são reveladores, a cada 10 jovens que cometem suicídio, 7 são negros segundo o Ministério da Saúde.

Mas, por que jovens negros estão desistindo de viver? Este é um assunto muito relevante tendo em vista que o genocídio de jovens tem cor. Será que o suicídio no Brasil também tem cor? Em 2018, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra revelou um aumento exponencial de suicídio entre jovens e adolescentes negros e as causam estariam relacionadas ao “racismo estrutural, as desigualdades étnico raciais e ao racismo institucional”. Como nossos passos vêm de longe, nosso sofrimento também vem.

RACISMO E SUICÍDIO: uma história antiga

A prática do suicídio era comum entre os escravos embora o fenômeno fosse invisibilizado e até romantizado. Devido às extremas violências e às péssimas condições de vida, muitos de nossos ancestrais recusaram-se viver sob condição de escravos e decidiram por tirar a própria vida. O banzo ficou conhecido como uma espécie de distúrbio mental, um estado de profunda tristeza, apatia e anedonia, conjunto de sintomas bem característicos da depressão atual. O mais curioso é que os brancos da época referiam características superficiais tais como um estado de nostalgia, saudade ou até alienação mental, negando a profunda dor e sofrimento psíquico ao qual os escravos estavam submetidos. Afinal, quem liga para a tristeza de um negro? Muitas outras formas de suicídio eram comuns da época: o enforcamento, o afogamento, o uso de armas brancas, a ingestão de barro e o envenenamento.

Parece que o passado assombra o presente embora muitos ignorem essa realidade. Podemos pensar o suicídio de negros em termos de TRAUMA TRANSGERACIONAL, isso porque tais violências assumem uma profundidade capaz de serem transmitidas para as gerações posteriores, ou seja, dores, sofrimentos e traumas coletivos. Os estudos da epigenética comprovam a mudança de padrão de expressão dos certos genes provocando o tal registro. Assim como herdamos características físicas de nossos progenitores, traumas também ficam circunscritos nos cromossomos.

Os pesquisadores dos estudos sobre traumas transgeracionais afirmam que dores e fatos traumáticos não elaborados podem ser transmitidos para as gerações seguintes, sendo assim, o colonialismo e a escravatura são feridas sociais abertas e nunca elaboradas socialmente, por isso tão atual em nossas vivências.

Racismo e adoecimento psíquico

O racismo tem caráter metaformo e insistente, sofisticou-se e se faz presente de diversas formas. Dentre todas as dimensões do racismo, a dimensão psicológica é a mais profunda e dá sustentação para todas as outras. Sem o sequestramento de mentes, os pactos, as alianças inconscientes e coletivas, o racismo não sobreviveria. Está tudo na mente.

Os atravessamentos do racismo como fonte de sofrimento psíquico corroboram para o aumento exponencial de suicídio entre adolescentes e jovens negros devido a demarcação de lugares sociais e as características desviantes aferidas ao corpo negro. Os jovens negros se veem impossibilitados de vislumbrar para além do que a estrutura racista determinou para ele e isso pode gerar muita angústia.

O suicídio é um fenômeno multifatorial, depressão, consumo de drogas e álcool, castigos físicos, violência doméstica, violência psicológica, assédio, racismo, homofobia, negligencia, abandono, bullying, abuso sexual infantil, desemprego, ausência de prospeção de futuro são fatores muitas vezes ligados a precarização da vida ao qual a maioria de adolescentes e jovens negros enfrentam. As periferias das experiências.

Redução de Danos e Prevenção

O Setembro Amarelo é um mês de conscientização, uma oportunidade de explorar a pauta e falar sobre suicídio, porém torna-se imprescindível falar de racismo visto que ambos fenômenos estão interligados.  O maior dano causado pelo racismo é a produção de subjetividade, negros estão mais vulneráveis e o adoecimento psíquico é quase inevitável. O suicídio é uma questão de saúde pública, urgente e tão cara para a nossa comunidade. Uma mobilização social organizada, a disseminação de informações, e a criação de lugares de acolhimento e confiança onde jovens e adolescentes possam expressar suas dores são ações possíveis e responsabilidade de todos nós. Devemos atuar em rede, coletivamente. Vislumbrar possibilidades é produzir vida em meio a necropolítica vigente. Parafraseando Conceição Evaristo “ eles combinaram de nos matar e nós combinamos não morrer”.

Shenia Karlsson – Psicóloga clínica, Co-Fundadora do Papo Preta: Saúde e Bem-estar da Mulher Negra.

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