Foi depois de ver Rquel Accioli, personagem vivida por Taís Araújo no remake de Vale Tudo, que essa frase me atravessou com força: “Amor é um luxo — e não é para todo mundo.” Em cena, a personagem sofre. Está magoada, cansada, ferida. Mas se levanta e diz com a voz embargada, diz que não quer pensar no Ivan e que deve seguir trabalhando. Aquilo não era ficção. Era espelho.
Quantas de nós, mulheres negras, já não nos sentimos assim? Carregadas de expectativas, cruzamos a vida sem tempo para sentir. Nos é exigida força. A nossa dor precisa ser silenciosa, funcional, compatível com os boletos. Amar, então? Só se sobrar tempo — e nem sempre sobra.
A solidão da mulher negra não é só sobre o afeto que não vem. É também sobre o que não podemos demonstrar. Sobre os amores que não se realizam. Sobre os amores que, quando chegam, vêm com ressalvas, ruídos, ausências. E sobre os que se vão, deixando o corpo, a casa e a rotina como se nada tivesse acontecido. Porque, afinal, sempre fomos ensinadas a dar conta.
A cena me lembrou tantas outras. Reais. Cotidianas. Mulheres negras que sofrem caladas. Que engolem a dor para não desagradar. Que seguram o choro porque têm que dar conta dos filhos, do trabalho, da família, da luta. Que, quando falam de amor, escutam que estão exigindo demais. Que são difíceis, intensas, muito fortes. Que assustam.
Mas quem disse que queremos ser fortes o tempo todo?
Ser amada não deveria ser privilégio. Não deveria ser uma meta inalcançável, nem um bônus para quem performa leveza, brancura ou doçura. O amor deveria ser uma escolha diária, acessível, real. Mas no Brasil, onde o racismo estrutura até os afetos, amar uma mulher negra é, muitas vezes, um ato de resistência. E ser uma mulher negra que se permite amar — mais ainda.
Assim como Rachel Accioli, muitas de nós seguimos. Às vezes, chorando sem deixar escorrer. Porque ainda nos resta a esperança. A de que um dia o amor seja também um direito e não um luxo.