Solidão ou presença da ausência negra?

Poucos levam em conta, mas para estarmos sós necessitamos de todos, pois é o outro, na sua falta, que determina a solidão. A presença da ausência determina um espaço não ocupado fisicamente e preenchido de desejos. Uma lacuna sem vácuo. Pior solidão é a presença da ausência de um sonho, um ser desejado e mentalizado, o lugar dentro de nós que guarda saudade de um futuro. Assim são os filhos ainda não tidos e os amantes que não chegaram.

As vezes esta solidão é preenchida naturalmente. Sem percebermos, os filhos vêm. E antes deles, os amantes. Os filhos nascem dos encontros; os amantes se encontram por instinto, desejo, pele, diversão, combinação. Para alguns, filhos e amantes são os dois pontos mais complexos que existem.  Necessitam de metas gradativas de sucesso e planejamento estratégico. Filhos antes da faculdade, nunca! Amantes têm que ter formação, moradia, escolaridade, raça, renda e idade. Passando pela primeira etapa, vem a prova prática: salário, propriedades, fundos e família. Completado o ciclo, pode-se pensar em filhos.

No Brasil, há algumas décadas, surgiu uma ramificação de todo esse novelo. A solidão negra. A discussão começou por uma questão simples. Normalmente o que enlouquece numa relação é a sensação de não ser desejado. Pior ainda quando o amado busca em outra satisfação de desejo. Ser negado como objeto de desejo impossibilita desejar. Em algumas capitais brotou uma confusão, o “desejado” pela mulher negra, segundo elas, o homem negro, começa a ter relações amorosas com as não negras, embora na medíocre estatística dos bairros periféricos isso não aconteça, os casamentos são endógamos, os pobres casam com pobres e vizinhas com vizinhos, negros e não negros felizes. Claro que sabemos a condição da mulher negra nessa falsa felicidade, subsistindo num sistema excludente e perverso, cabendo as tarefas domésticas, procriação e subserviência num pais cruelmente machista.

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A queixa surge: eles, quando ficam ricos(?) ou conseguem ascensão econômica – porque social não há, já que continuam pretos – escolhem mulheres brancas às negras. Justificativas são colocadas, a principal, supõe que o homem negro ao se relacionar com uma branca se imagina melhor, emergente e até mais homem. A última coisa a ser levada em conta é que estamos falando de animais que, além de todos os fatores, têm atração, desejo e vontade. A teoria ignora que a mulher “branca” é um ser pensante, desejoso, desejante e não apenas um pacote de batata frita escolhida na loja do posto de gasolina pelo negro com dinheiro. Surge assim um processo raivoso ideológico entre as mulheres, o “homem negro”, que supostamente é o seu objeto de desejo, começou a desejar as brancas, que em casa nem sabem disso e as vezes escolhem negros, como negras podem, também, escolherem brancos

A generalização construiu uma polícia ideológica. As mulheres caçam os homens que desejam, elogiam, afagam, relacionam-se ou pensam mulheres brancas. Essas são rotuladas, estranhamente, pela cor como algo a ser comido, poderiam ser cocada, mozzarella, arroz, mas escolheram o palmito para identificá-las, e aos desejosos recaí o apelido rancoroso de “palmiteiros”, os que querem palmito.

Observem que em nenhum momento se aventa a possibilidade natural das negras simplesmente gostarem de um homem branco. Como elas fiscalizam os homens, fiscalizam a si e constroem um labirinto de paradoxos. No cardápio racial culinário o homem negro deve comer chocolate, ameixa, uva passa. Palmito, não!

Na solidão ideológica as mulheres excluem os negros, sem ao menos conhecê-los. Porém algo claro não é percebido, somos gregários e desejamos aconchego. Alguns fazem escolhas raciais, sim! Mulheres, homens, brancos e negros. Mas a maioria quer apenas ser feliz. Com essa carga de conceitos prévios, as mulheres negras se afastam e choram solidão.

Imaginei fazermos um abaixo-assinado, implorando ao “grande conselho ideológico feminino negro” uma audiência só para dizer que enquanto elas nos julgam, estamos todos sós entre brancos, não brancos e negros. Negros e negras – próximos, mas sozinhos. Tudo isso por elas imaginarem que todos os negros (falácia de generalização) desejam palmito, pensarem que o próximo deseja o outro que não está, e possa existir.  Estamos tão próximos e morrendo todos de solidão, você e eu.

Essa é a opinião desse homem preto que escolheu e foi escolhido por uma mulher preta para ter um filho preto, mas não por policiamento e nem patrulhamento ideológico preto.

Evandro Calisto

Cientista Social formado pela Universidade Federal da Bahia, professor de filosofia e sociologia, consultor na área de gestão de pessoas e gestão pública. Toda Segunda-feira escreve para à Revista Raça.

*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas.

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Correspondente da RAÇA na Europa e Africa é Jornalista e Tradutora. Foi selecionada com outros cinco jornalistas brasileiros pela Fundação Thomson-Reuters para um curso sobre os Objetivos do Milênio (2015).

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