TST reconhece racismo estrutural e dano moral coletivo e condena Sari Corte e Sérgio Hacker a pagar R$386 mil
Mirtes Renata e Marta Santana, mãe e avó do menino, eram pagas pela prefeitura de Tamandaré, mas trabalhavam na casa do ex-prefeito e da ex-primeira-dama do município.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou Sarí Corte Real e Sérgio Hacker Corte Real, ex-primeira-dama de Tamandaré e ex-prefeito da cidade, a pagar R$ 386 mil por dano moral coletivo.
Mirtes Renata e Marta Santana, mãe e avó de Miguel Otávio, que morreu ao cair de prédio no Recife em 2020 (relembre mais abaixo), trabalhavam como empregadas domésticas na residência do casal, mas eram pagas pela prefeitura.
Os ministros do TST negaram um recurso da defesa e acataram o que disse o Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre a existência de racismo estrutural, sexismo e classismo na contratação de Mirtes Renata e Marta Santana, mãe e avó do menino Miguel Otávio.
O TST considerou que houve “gravíssimas violações humanitárias trabalhistas, que agrediram drasticamente o patrimônio imaterial de toda a sociedade brasileira, a partir de circunstâncias totalmente injustificáveis do ponto de vista jurídico”.
A decisão foi proferida no dia 28 de junho e assinada pelo ministro relator Alberto Bastos Balazeiro. O acórdão do TST segue o que o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 6ª Região já tinha decidido em 2021.
Como se trata de ação civil pública, o dinheiro não vai para a mãe de Miguel, e poderá ser depositado no Fundo Estadual do Trabalho (FET), no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou para órgãos e entidades que prestam serviços relevantes à sociedade.
Procurado pelo g1, o advogado Ricardo Varjal, que defende o casal no processo trabalhista, disse que vai recorrer da decisão.
Entenda a decisão
Ao rebater o recurso movido pela defesa de Sarí e Sérgio, o MPT afirmou que:
O caso “revela uma dinâmica de trabalho permeada por atos ‘estruturalmente discriminatórios’, e que ‘gira em torno da cor da pele, do gênero e da situação socioeconômica’ da categoria coletiva das trabalhadoras domésticas”;
O casal não atribuiu “qualquer valor social e jurídico ao trabalho doméstico”, já que Mirtes e Marta tiveram de trabalhar durante a pandemia da Covid-19: “O labor foi executado sem o acesso aos adequados Equipamentos de Proteção Individual (EPI)”, conforme consta na decisão judicial.
A decisão também citou que o casal obteve “benefícios” diante do racismo operante no mundo do trabalho, incluindo a “a naturalização da fraude contratual perpetrada em face de mulheres negras que, no mundo jurídico, eram formalmente ‘empregadas do município de Tamandaré'”.
Família de Miguel
A advogada Karla Romeiro Cavalcanti, que representa a família de Miguel nos processos trabalhistas, afirmou que Mirtes e Marta ainda aguardam uma sentença que avaliará “a extensão do dano moral sofrido diante de tantas usurpações e direitos, especialmente da imposição de ter que levar seu filho de 5 anos para o trabalho, no meio de uma pandemia”.
Ela afirmou, ainda, que “a decisão confirma o entendimento de que os empregadores se beneficiaram de uso indevido do dinheiro público “através da manutenção de uma lógica excludente e precarizante das trabalhadoras domésticas”.
Ela afirmou, ainda, que “a conduta ilícita do ex-prefeito e de sua esposa” podem ser observadas num depoimento de Sérgio Hacker, em que ele “disse não ver problemas no fato de tomar servidores do município para empregá-los em serviços particulares”.
“Essa decisão tem um impacto não só no âmbito das relações de trabalho, mas também na forma como a grande maioria dos políticos e administradores utilizam recursos públicos indevidamente e para benefício próprio. O voto do relator do acórdão regional expressou que a indenização deve ser mantida, para que todo prefeito do Brasil saiba que não ficará impune”, declarou a advogada.
- No dia 2 de junho de 2020, Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, caiu do 9º andar do Condomínio Pier Maurício de Nassau, um dos imóveis de luxo do conjunto conhecido como “Torres Gêmeas”, no Cais de Santa Rita, no Recife;
- A mãe dele tinha descido ao térreo do prédio para passear com a cadela da patroa, Sarí Corte Real, que estava responsável por cuidar do menino. A manicure de Sarí também estava no apartamento.
- Sarí foi presa em flagrante à época da morte do menino, por homicídio culposo, mas pagou fiança de R$ 20 mil e foi liberada;
- Em maio de 2022, quase dois anos após a tragédia, a ex-patroa de Mirtes foi condenada a 8 anos e seis meses de prisão por abandono de incapaz com resultado morte, mas responde ao processo em liberdade;
- No mesmo ano, Mirtes entrou com recurso ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) pedindo para que a pena fosse aumentada.