Um plano para o Brasil

Maurício Pestana

Qualquer plano nacional deve ser estruturado de um só elemento: a vergonha na cara de um país, onde uma mãe de família preta ainda precisa roubar um saco de leite em pó para matar a fome do seu filho

“Vamos desenhar um plano nacional de empresas para fazer com que a atividade empresarial esteja em profunda conexão com os direitos humanos.”

A frase de impacto e bastante contundente do ministro de Direitos Humanos do governo Lula, Silvio Almeida, veio após mais um episódio de violência contra negros em uma rede de supermercados.

Este caso em especial explicita de forma nua e crua os embates da questão racial brasileira, que extrapola a cor da pele e expõe o lado mais sórdido do racismo institucionalizado e que coloca negros como vítimas e algozes da sua própria desgraça em um país miserável e subdesenvolvido até na forma de ser racista.

Não se pode atribuir apenas uma rede de supermercado à cultura de caça a negros. Quando adentramos uma loja de conveniência, um shopping ou qualquer estabelecimento comercial, onde a cultura histórica de exclusão e discriminação racial impera independentemente da cor dos seus “seguranças”, que quase sempre, em sua maioria, são pessoas negras de baixa instrução e de baixos salários, pagos para fazer o papel sujo que no período escravocrata era exercido pelos capitães do mato.

As cenas deploráveis do casal negro sendo espancado por seguranças, também da mesma cor, por terem supostamente furtado leite em pó para matar a fome dos filhos, traz à tona o tamanho da miserabilidade brasileira, onde os dados apontam para mais de 30 milhões de pessoas passando fome.

São em sua maioria pessoas negras, que, quando não estão nesta condição, estão próximo disso com os menores salários, funções mais insalubres e os mais atingidos pelo desemprego e subemprego, como mostram institutos de pesquisas respeitados como IBGE, IPEIA e Dieese.

Mas a tragédia ocorrida na cidade de Salvador, capital baiana, onde mais de 82% da população se autodeclara negra, não cessa no casal espancado pelos seguranças negros; a gerente da loja, afastada em uma atitude exemplar da rede de supermercados, provavelmente também era negra e o único ministro que se pronunciou sobre o caso, também um negro, transformando o caso em: “coisa de preto”, onde o racismo não é marcado por pessoas brancas contra pessoas pretas e, sim, uma engenharia que privilegia e protege pessoas brancas de serem réus deste sistema.

Nosso país vivencia uma violência racial contra a população negra desde seu “descobrimento”.

Essas práticas se sofisticaram e se institucionalizaram nas estruturas de poder público e privado após a abolição, fazendo com que normatizássemos atos violentos contra a população negra de diversas formas, começando pela educação de péssima qualidade destinada a pessoas pretas e pobres, no escasso acesso à saúde pública, nas péssimas condições de habitação nos amontoados das favelas ou regiões periféricas, nos baixos salários no mercado de trabalho, na discriminação racial e exclusão nos postos de comando nas empresas e, por fim, na mais letal, a violência policial que atinge em cheio prioritariamente a população negra.

Precisamos de um plano nacional para o país que, quando não mata e humilha sua população negra em atos covardes em seus quartinhos escuros de supermercados, faz isso à luz do sol todos os dias em praça pública, com suas políticas públicas excludentes.

Qualquer plano nacional deve ser estruturado de um só elemento: a vergonha na cara de um país, onde uma mãe de família preta ainda precisa roubar um saco de leite em pó para matar a fome do seu filho.

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