Uma liderança negra à frente da advocacia Paulista

Pela primeira vez na história, a Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo (CAASP) é presidida por uma mulher negra. A advogada Diva Zito, com 30 anos de experiência na área jurídica, assume o desafio de comandar uma das principais instituições de apoio à advocacia no estado. Sua trajetória é marcada pelo comprometimento com a diversidade e a inclusão, temas que ganharam mais força na Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB-SP) nos últimos anos.

Nesta entrevista à Raça Brasil , Diva Zitto fala sobre os desafios de sua gestão, a importância da representatividade negra no Direito e os avanços conquistados na advocacia paulista. Além de relatar sua trajetória e os obstáculos que você enfrentou ao longo da carreira, o presidente da CAASP reforça seu compromisso em ampliar o acesso da advocacia aos serviços da instituição e em construir um legado para as futuras gerações. Confira.

Raça Brasil: Conhecemos um pouco da sua história, mas gostaria que a senhora compartilhasse mais sobre essa trajetória.

Dra. Diva : Tá ótimo. Sou advogado e, recentemente, completei 30 anos de advocacia. No último dia 4 de fevereiro, celebrei essa trajetória, que começou com a inspiração do meu pai, Dr. Demasido, também advogado, que sempre me incentivou na carreira jurídica. Dei meus primeiros passos aos poucos, construindo minha história. Sou titular do escritório Zitto Advocacia e Associadas , onde atuamos nas áreas de Direito Trabalhista, Cível e Previdenciário. Com o tempo, percebemos a necessidade de ampliar nossa atuação no Direito Previdenciário, sempre observando as demandas da sociedade.

Ao longo dessa jornada, me envolvi com associações e movimentos sociais. Participei do Aristocrata Clube, o clube negro mais antigo da cidade de São Paulo. Junto com amigas, fundamos o Movimento da Mulher Negra Brasileira , um espaço voltado para o esclarecimento e incentivo às mulheres negras.

Foi observando a ausência de advogados negros na OAB que começaram a me aproximar da política de ordem. Fui convidado por uma colega, Raquel Pretto, para integrar uma chapa e, assim, me tornei conselheiro da instituição. Naquela gestão, éramos cinco mulheres negras e dois homens negros. Mas, por sermos presentes uma nova nesses espaços, enfrentamos episódios de racismo.

Na gestão seguinte, sob a presidência da Dra. Patrícia Vanzolini e a vice-presidência do Dr. Leonardo Sica, fizeram um esforço para ampliar a representatividade da advocacia negra dentro da instituição. Mais advogados negros passaram a ocupar vagas no Conselho Seccional e nas comissões temáticas da OAB. Esse movimento abriu portas para que mais profissionais negros fossem reconhecidos e ocupassem posições de liderança.

Raça Brasil : Agora, como a primeira mulher negra a presidir a casa, a senhora já deve ter números e desafios concretos. Quais são os principais obstáculos que a senhora vê? E, sendo a primeira, como mulher negra, sabemos que sempre nos cobramos mais. O que a senhora vê como o maior desafio da sua gestão?

Dra. Diva : O primeiro grande desafio é fazer com que a advocacia entenda a necessidade de mudança. O Direito evolui constantemente, e a advocacia também precisa acompanhar esse dinamismo. A nossa casa é o braço assistencial da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo, a maior do país, mas nem todos os advogados acessam seus serviços. Muitos desconhecem o que uma instituição oferece e não tem uma cultura para buscar esse apoio.

Nosso maior desafio será expandir esse alcance e garantir que os serviços da casa cheguem a toda a advocacia do estado. Trabalharemos com inovação, tecnologia e proximidade com as pessoas. A casa oferece benefícios que atendem não só os advogados, mas também seus dependentes. O serviço odontológico, por exemplo, é amplo, contando com consultórios na sede e em subseções da capital, além de atendimento emergencial gratuito para advogados em todo o país.

Também temos auxílios financeiros para profissionais que enfrentam dificuldades temporárias, benefícios para advogadas gestantes e outros serviços que não são amplamente divulgados. Precisamos mudar essa realidade e fazer com que mais advogados reconheçam o valor da instituição e a utilizem a seu favor.

Raça Brasil : A disputa eleitoral foi acirrada. Não sei se entre o presidente e o segundo colocado foi tão intenso, mas dentro da comunidade de advogados negros houve uma divisão. Lembro que havia bons nomes de ambos os lados. Mas é significativo que você tenha vencido um grupo que reconhece a importância da advocacia negra. A sua presença à frente dessa instituição poderosa mostra um olhar mais atento para a questão racial, não apenas no âmbito do Direito, mas na representatividade dos advogados negros. Como a senhora vê esse avanço?

Dra. Diva : Eu tenho plena consciência da responsabilidade que carrego. O que vivemos hoje é uma continuidade do trabalho iniciado na gestão passada, conquistada pela professora Patrícia Vanzolini e pelo então vice-presidente Leonardo Sica. Eles se dedicaram muito à diversidade e abriram caminhos para esse momento.

Até três anos atrás, não havia advogados negros em cargas de gestão na Ordem. Isso começou a mudar com a Dra. Dione de Almeida, que foi secretária-adjunta e a segunda mulher negra na diretoria da OAB São Paulo. Hoje, temos cerca de 28 conselheiros negros, algo inédito na história da instituição. Isso demonstra que há um compromisso real com a inclusão e a diversidade.

No entanto, ainda enfrentamos desafios. Há quem não aceite nossa presença nesses espaços e tente deslegitimar nossa atuação. Precisamos provar constantemente que somos competentes e capazes, porque a sociedade racista em que vivemos sempre busca argumentos para nos desqualificar. Mas seguimos avançando, e minha presença nesta carga é prova disso.

Raça Brasil : Indo para o final da entrevista, sabemos que toda gestão será cobrada e medida pelo legado que deixa. A senhora acabou de assumir, mas certamente essa pergunta veio: qual legado a senhora pretende deixar ao final da sua gestão?

Dra. Diva : Sempre digo que isso não se trata de mim, mas de nós. Quero construir um trabalho de excelência para servir de referência para quem vem depois. O objetivo é transformar esse espaço, abrir portas para que mais advogados negros entendam que também podem ocupar cargas de liderança.

Vejo nas novas gerações uma percepção diferente. Eles entendem que esses espaços podem e devem ser ocupados. Durante muito tempo, a comunidade negra foi restaurar esses ambientes e, muitas vezes, preferimos nos manter afastados para evitar o desgaste de enfrentamentos. Mas essa mentalidade precisa mudar. Precisamos ocupar, resistir e transformar.

O legado que quero deixar é o de um trabalho íntegro, comprometido com a advocacia negra e com a construção de oportunidades reais para todos. Quero que meus advogados e advogadas negras olhem para gestão e saibam que essa ponte foi construída por uma de nós.

Tenho uma filha advogada e quero que ela, assim como outros jovens negros, veja que é possível ocupar esses espaços. Meu compromisso é com a transformação e a continuidade desse movimento, para que o futuro seja diferente do que enfrentaremos até aqui.

Raça Brasil : Doutora Diva, muito obrigado pela entrevista. Desejamos muita sorte e sucesso em sua gestão. É um orgulho ver uma mulher negra ocupando esse espaço tão importante.

Dra. Diva : Eu que agradeço pela oportunidade. E faço um convite para que conheçamos nossas instalações e entendamos mais sobre o trabalho que estamos desenvolvendo. É importante que toda a advocacia negra saiba que essa casa também é sua.

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