Uruguai e seu racismo oculto.
Em um momento em que o Brasil que sempre foi vanguarda em políticas públicas afirmativas na América Latina, retrocede. O Uruguai tem avançado a passos largos em direção ao reconhecimento da negritude. Assim, apresentarei o panorama dessas políticas no Uruguai. Entrevistei um dos principais defensores dessas políticas, o escritor Jorge Chagas, tem atuado no fortalecimento e visibilidade da população negra naquele país.
O Uruguai sancionou a lei 19.122 no ano 2013. Por meio dela, pela primeira vez o Estado uruguaio assume como crime contra a humanidade o tráfico de pessoas e, portanto, reconhece as consequências em seus descendentes. Para Gloria Rodriguez, que foi a primeira deputada de ascendência africana do Partido Nacional- o país seria “parado” nos avanços previstos nessa lei, que afirma que os 8% dos postos em todos as três instâncias do governo municipal, estadual e federal, entidades autônomas e serviços descentralizados, entre outros, devem ser ocupados por afrodescendentes. Entre as pessoas que entraram em cargos públicos em 2015, apenas 2,7% eram negros. Esses representaram um aumento de 144% em relação a 2014, de acordo com um relatório do Escritório Nacional de Serviço Civil/ENSC.
Jorge Chagas é um historiador e novelista uruguaio afrodescendente. Nasceu em 1957 em Montevideo, foi bancário na Caixa Obrera, primeira empresa financeira em ter pessoal administrativo afrodescendente. Começou a estudar direito na Universidade da República e, pouco depois, mudou para Ciências Políticas, onde concluiu. É autor de vários livros: Gloria e Tormento: a novela de José Leandro Andrade, A Solidão do General: a novela de Artigas, A Sombra: a novela de Ansina e O envelope quebrado: a novela do coronel Lorenzo Latorre, onde se remete a distintos momentos da história de seu país. Para conversar sobre a situação dos afrodescendentes em Uruguai, Raça entrevistou o autor.
Quando começou em seu país o movimento de reivindicação dos descendentes de africanos?
Jorge Chagas: Tanto o estudo da problemática sobre racismo como a discriminação racial, assim como a luta por igualdade de oportunidades no Uruguai, têm, ao contrário do que geralmente se crê, longa data. Já nos anos vinte e trinta um grupo de intelectuais negros (autodidatas a maioria deles) expôs as carências que sofriam a comunidade negra e se propuseram a lutar para alcançar por melhorias. Entre as figuras mais destacadas estavam o advogado Salvador Betervide (um dos primeiros juristas negros do Uruguai e um dos fundadores do Partido Autóctono Negro), Mario Leguizamón Montero, María Esperanza Barrios, Iris Cabral, os escritores Pilar Barrios, Maruja Pereira, Felina Díaz, Suarez Peña, Clementina Silva, Margarita Ubarne e Manuel Villa, entre outros. No ano de 1941, se fundou a Associação Civil e Social Uruguai Negro (ACSUN) que buscou não só congregar o coletivo como também fundir os valores que permitiriam sua superação social. É por este tempo que se produziu uma divisão na comunidade negra uruguaia. Poucos intelectuais negros consideravam que o candombe -a música e a cultura própria dos negros de Montevideo, e suas posteriores implicações no carnaval eram um fator de marginalização social, já que a sociedade uruguaia considerava que os negros só estavam para tocar o tambor e pouco mais. Esta divisão, que distanciou os profissionais negros do mundo do candombe e se prolongou durante muitas décadas.
A luta por reivindicações se tornou mais difícil por sua invisibilização?
Jorge Chagas: A Fundação do Mundo Afro na metade dos anos noventa –onde começou a atuar uma nova geração de intelectuais (homens e mulheres) negros– implantou um salto qualitativo importante, porque as reclamações do coletivo negro adquiriram um sólido formato político ao ser incorporado ao programa de governo, das forças de esquerda, o que permitiu avanços importantes. Ainda assim temos um longo caminho a percorrer,mas já é possível notar algumas mudanças.
Francilene Martins
Jornalista, ativista negra, reside em Buenos Aires onde conclui seu doutorado. Escreve semanalmente para a Revista Raça sobre a presença negra na América Latina.
*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas