Vítima de assalto denuncia agressão policial e racismo ao Ministério Público
Na última quinta-feira (20), Maximiliano Soares da Costa pegou o ônibus 59 como costuma fazer todos os dias, no final da tarde, depois que sai da escola onde trabalha como vigia em Porto Alegre para ir à Cachoeirinha, onde mora. Mas não foi um dia como outro qualquer. No meio do caminho, dois homens armados com pistolas anunciaram assalto. Max perdeu o celular, R$ 150 e foi agredido com golpes nos braços. Os assaltantes, segundo ele, teriam descido perto da Arena do Grêmio.
Os passageiros do ônibus pediram ao motorista que parasse em um local onde poderiam registrar a ocorrência. O primeiro posto de polícia que avistaram foi uma unidade da Polícia Rodoviária Federal, que não poderia atendê-los. “O pessoal começou a me cobrar: porque eu não reagi ao assalto? Por que eu não dei tiro em vagabundo? Os próprios passageiros. Eu expliquei que não tinha arma, que eu era mais um porteiro e trabalhava em uma escola”, conta ele.
O ônibus então parou em um posto policial da área do 26º Batalhão da Brigada Militar, já em Cachoeirinha. Em poucas horas, Maximiliano conta ter passado de vítima de um assalto no transporte público à vítima de agressões de sete policiais militares. Nesta quarta-feira (26), ele fez denúncia sobre o caso para a Coordenadoria de Direitos Humanos do Ministério Público Estadual, em Porto Alegre, pedindo a investigação e punição dos brigadianos envolvidos no episódio. Os sete já estão identificados, de acordo com o advogado de Maximiliano.
Segundo relato do segurança, enquanto alguns dos passageiros conversavam com policiais, ele teria voltado ao ônibus para convencer o motorista a prestar queixa sobre o assalto. O motorista da Sogil teria se negado, alegando que nada foi roubado dele ou da empresa. Os dois estavam discutindo, quando a esposa de Maximiliano, que foi ao seu encontro depois de receber uma ligação do marido, chegou ao local. Tentando intervir para ajudá-lo, Josiane acabou se envolvendo em uma briga com outra passageira do ônibus que disse que Max “não era homem” porque não enfrentou os assaltantes. Segundo o casal, a esposa de Max foi agredida no rosto, pela passageira, quando tentava defendê-lo. As duas mulheres partiram para a agressão física.
Com a briga, os policiais militares entraram no ônibus e pediram que Maximiliano e Josiane descessem. “Quando eu desci, eles subiram em sete em cima de mim e começaram a me dar socos. Falaram que era desacato à autoridade, essas coisas. Eles falaram que iam me algemar e eu disse que não, que eu era um trabalhador, estava com a roupa da empresa e tinha sofrido um assalto dentro do ônibus e não era ladrão”, relata Max.
Ele foi algemado e recebeu voz de prisão, em seguida, sua esposa também teria sido agredida e algemada pela polícia. Josiane conta que foi derrubada no chão, recebeu pontapés nas costas e que, após se negar a entrar no posto de polícia, os brigadianos a deixaram com os seios expostos em frente à unidade.
Depois das agressões, de acordo com o casal, antes de serem levados a uma Delegacia de Polícia, eles passaram pelo Instituto Médico Legal (IML) para realização de exame de corpo delito. Max diz que depois de contar que o irmão também era brigadiano, os policiais retiraram suas algemas. No entanto, quando ele se negou a assinar a ocorrência apresentada pelos policiais o tom mudou outra vez. “Eu disse que não ia assinar nenhuma ocorrência sem saber o que estava escrito e sem dar meu depoimento. [O brigadiano] daí disse: quem tirou as algemas desse macaco aqui? Põe as algemas nesse macaco e leva ele pra DP que ele vai baixar no presídio”.
Max conta ainda que foi levado à Delegacia de Polícia junto com a mulher e outro passageiro que havia gravado as imagens da agressão e teve o celular apreendido pela BM. Os três foram mantidos dentro de uma viatura. Josiane pediu para usar o banheiro, o que os policiais negaram, chamando ela mais uma vez de “vagabunda”. “Essa palavra foi a que eu mais escutei”, afirma Max. Os três só foram liberados depois que o motorista e a outra passageira assinaram a ocorrência do assalto que Max e a esposa se negaram a assinar. Ele só conseguiu registrar boletim de ocorrência pelas agressões cometidas pelos policiais no dia seguinte, na 10ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre.
Casal ainda pode responder por ‘desacato’
Para o advogado Jorge Garcia, que representa Maximiliano e Josiane, “houve um exagero além da conta em uma situação esdrúxula”. Garcia diz ainda que a ocorrência policial, que o casal se negou a assinar, foi feita de “modo arbitrário” pela polícia. “Porque bateram nas pessoas que tinham acabado de ser assaltadas, humilharam, chamaram de ‘negro macaco’, ‘mulher vagabunda’, quando eles eram as vítimas do assalto”.
Segundo o advogado, o casal pode responder ainda por resistência à prisão, agressões contra os policiais e desacato à autoridade. Garcia afirma, porém, que a “penalização moral” pode ser ainda pior do que as penas incutidas às acusações que recaem sobre eles. “O sujeito é agredido, é violentado e ainda passa a ser réu de ação penal, onde o Estado vai mover toda a máquina para acusar aquela pessoa. Esse é o absurdo. Como se não importasse se ele foi vítima, não importasse se ele sofreu injúria racial”, defende ele.
Procurado pela reportagem, o 26º Batalhão de Polícia Militar diz não ter registros sobre o episódio e que só poderá se manifestar a respeito quando receber denúncia formal sobre o fato. Já a Sogil, empresa responsável pela linha de ônibus, afirmou que não se manifesta a respeito de assaltos e que a única fonte de informação seria a Brigada Militar.
Na próxima semana, Maximiliano ainda irá fazer um relato do episódio junto à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. “Na Assembleia, o movimento será político porque os deputados terão a obrigação de cobrar das autoridades policiais uma resposta para essa violência policial”, diz Garcia.