Viva Maria de Lourdes Vale Nascimento e todas as mulheres negras comunicadoras

Em artigo publicado no jornal Correio Braziliense, a jornalista Rachel Quintiliano saúda as mulheres negras comunicadoras

Que nossos passos vêm de longe, não há dúvida. A população negra no Brasil se articulou rapidamente, primeiro por liberdade de seus corpos e por existência (e segue fazendo isso até hoje) e depois, para construir suas próprias narrativas sobre o que significa ser negro ou negra neste país. 

A despeito do pouco diálogo sobre o assunto, a imprensa ou mídia negra e a participação das mulheres negras são motivos para celebrar, mais uma vez, e colocar suas conquistas e legado em evidência por ocasião do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. 

Entre aquelas que merecem homenagem, que reforçam a importância do legado e da história e presença negra neste país está Maria de Lourdes Vale Nascimento (1924-1995), professora, assistente social, intelectual, ativista e colunista do jornal O Quilombo, que contribuiu e sedimentou espaço para as comunicadoras negras.

Antes é importante registrar que 55 anos antes da abolição da escravatura no país, surgia na cidade do Rio de Janeiro, o primeiro jornal de mídia negra do Brasil, o periódico O Homem de Côr, em 14 de setembro de 1833. Entre os principais veículos de imprensa negra no século XIX, estão O Homem de Côr (Rio de Janeiro -1833), o Brasileiro Pardo (Rio de Janeiro – 1833), O Homem (Recife 1876), A Patria (São Paulo 1889), O Exemplo (Porto Alegre  1892) e O Progresso (São Paulo 1899).

No século seguinte, após a primeira década de abolição da escravatura, a mídia negra ganhou um novo caráter, o associativismo, a multiplicidade de perspectivas num mesmo momento, fases do movimento negro, esforço coletivo de produção de conhecimento, intensificação dos diálogos internacionais e as vozes femininas, como ensina Ana Flávia Magalhães Pinto, também comunicadora, historiadora e professora na UnB.

No século XX se destacam os veículos como o Alvorada (Pelotas 1907), O Menelick (Rio de Janeiro 1916), A Rua (São Paulo 1916), O Bandeirante (1918), O Kosmos (São Paulo 1922), Elite (São Paulo 1924), Getulino (1924), O Clarim (São Paulo 1924), A Voz da Raça (1933), Quilombo (1948, Cruzada Cultural (São Paulo 1950), Tição (Porto Alegre 1978) e  Maioria Falante (1987), entre muitos outros.

É nesse momento que as mulheres começam a “aparecer“ na mídia negra. Segundo a pesquisadora Mariana Pereira de Almeida Mello, o lugar destinado para a mulher negra, na mídia (jornal) negra paulistana, no início do século XX, não era prioritariamente o de autora de suas próprias histórias. Pelo contrário, na maioria dos casos era idealizada e descrita por homens e, neste discurso eram frequentes as recomendações de como as mulheres negras deveriam ser e se comportar. 

Obviamente as mulheres não aceitaram facilmente este papel ou lugar e, ainda que em raros momentos, se atrevessem a colaborar com essas publicações produzindo conteúdos, assumiram papel relevante na condução dos eventos promovidos pela mídia negra daquela sociedade.  Essas mulheres não estavam passivas e buscaram lugar de destaque e de tomada de decisões nos processos que levaram à constituição e permanência da mídia negra brasileira.

Retomando a discussão sobre a presença feminina na mídia negra, a pesquisadora Giovana Xavier, em artigo sobre Maria de Lourdes Vale Nascimento, resumiu a atuação da  jornalista, intelectual, no jornal, a partir de três perspectivas e/ou movimentos: “conectar a raça ao feminino; manipular símbolos femininos universais (brancos) em prol da construção de uma identidade particular para o feminino negro e a luta por um tratamento equivalente ao recebido pelas mulheres brancas”. 

Maria de Lourdes foi uma pioneira, uma referência para outras e fundamental para a construção do significado do feminino negro por meio da imprensa. Ela usou a mídia negra para construir um lugar e papel para as mulheres negras, mas também lançou mão de estratégias de comunicação e semiótica para disseminar seu pensamento e articular as mulheres de “cor” no espaço impresso da coluna “Fala à Mulher”, as quais tratava e na qual se dirigia a suas leitoras como “amigas leitoras” e “patrícias de cor”. 

Neste mês do 8 de Março, celebrar a existência de mulheres como ela é uma oportunidade para mais uma vez, demonstrar e dar visibilidade a capacidade das pessoas negras e, especialmente aqui, das mulheres negras, em contribuir estrategicamente e com êxito para a utopia do bem viver de todos e todas. 

Viva Maria de Lourdes Vale Nascimento e toda a geração de mulheres negras comunicadoras que vieram antes e virão depois dela!

Por Rachel Quintiliano – Jornalista, podcaster, ativista, colunista da Revista Raça e membro-fundadora da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do DF.

O texto foi publicado originalmente pelo site do jornal Correio Braziliense.

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