“Você não é preto, você é moreninho.”
Colunista: Juliano Pereira
_ Você viu um homem alto preto, aqui nesse andar?
A secretária se assustou: “Preto?!”.
Respondeu baixinho, tremendo, como se falasse palavrão.
_ Isso, Preto! Um cara alto e de barba!
Essa conversa é real. Um colega e eu perguntávamos sobre um outro executivo. Estávamos no escritório chique, formal, onde nós três trabalhamos há anos.
Para quem viu ou viveu essa situação muitas vezes, era óbvio que a mulher tinha vontade de responder outra coisa.
_ Vi ele sim, está na sala de reunião. Mas é que… quer dizer, acho que ele não é preto. Talvez, moreninho. Nem tem cabelo ruim. – Mas ela se calou.
Pensei: qual o problema em falar que vermelho é vermelho, rosa é rosa, e preto é preto? Por que incomoda tanto verbalizar a cor da pele de alguém? Dia sim, outro também, muita gente, gente preta inclusive, me fala: “Juliano, você não é preto. Você é moreno claro!”. É, no mínimo, curioso alguém querer me definir, me embranquecer. Como um prêmio de consolação. Como se houvesse algo errado em ter cabelo crespo ou nariz largo.
Recentemente, descobri que o nome disso é whitewashing. Termo que se refere a embranquecer personagens em produções culturais, como em muitos filmes, desde os seus primórdios. Nem Jesus Cristo escapou, retratado como branco, assim como Machado de Assis, neto de africanos.
No ambiente corporativo, lá na firma, no trampo, o embranquecimento também ocorre. Mas lá, a coisa é mais velada e a conversa, mais difícil. Porque há um código de conduta, um jeito mais formal e indireto de falar. Ali onde “manda quem pode, obedece quem tem boleto”, não se diz o óbvio, como por exemplo: só tem gente preta na portaria, faxina ou fazendo a segurança. Ou que a diretoria só tem homens. Lá onde estão as pessoas mais bem pagas e bem formadas, parece que o único diálogo possível é com o espelho. Você balança a cabeça e ele diz amém.
Pode soar como algo irrelevante. Mas você conhece algum CEO que é filho de Ogum? Imagina ter que esconder a sua fé. “Deus me livre falar que frequento templo de umbanda!”. Dia após dia escondendo suas guias por baixo do terno. Num paralelo, seria como esconder dos seus colegas para qual time de futebol você torce, porque quem torce pro Santos não é promovido. “Nada contra. Até tenho amigos que torcem pro Peixe”. Também não ganha aumento quem trança o cabelo ou usa dreads. Então, na dúvida, é melhor raspar o cabelo, se embranquecer, para evitar críticas ou retaliações. E aceitar que você é moreninho (a) para ter amigos e ser promovido.
A parte boa é que a coisa está mudando. Ainda que lentamente, tem uma nova geração de gente bonita, estilosa e competente chegando aos escritórios, orgulhosa da sua cor PRETA, da sua identidade de gênero, orientação sexual e espiritualidade. Fruto de muita luta de avós, pais e mães, de décadas de movimentos sociais e de algumas poucas políticas públicas. Gente que tem a fibra e a coragem de responder sem rodeios: “Morena, não. Preta mesmo. P-R-E-T-A!”. Pra que num futuro não muito distante, a gente valorize as diferenças e presencie outros diálogos:
- Você viu uma mulher preta, de tranças, passando por aqui?
- A diretora? Ela está numa reunião importante, mas já o atende.