Voto racial pra que?

Os resultados eleitorais de 2020 estão consolidados e a disposição de todos/as. O avanço dos setores conservadores da sociedade brasileira expresso pelas vitórias dos partidos que a representam (PSD, MDB, PP, DEM e PSDB), foi notório. É bem verdade que foram eleições atípicas, a Pandemia do Coronavirus alterou não apenas o modo de fazer campanha, como favoreceu os gestores que se encontravam no poder, seja pelo uso da máquina pública, seja pelo acerto no combate ao vírus. O fato é que, a ausência do corpo a corpo, da conversa do pé de ouvido e a quase exclusividade dos meios virtuais prejudicou e muito as candidaturas carentes de recursos.

Mas, esta eleição também sinalizou coisas interessantes. Em que pese a manutenção da hegemonia dos homens brancos nas estruturas do poder municipal no país (67% dos prefeitos e 53% dos vereadores) há sinais importantes de que há algo se movendo. O primeiro fato a considerar foi o aumento expressivo das candidaturas negras. Dos 267 mil candidatos a postos eletivos, (48,1%) se disseram brancos, 219 mil (39,4%) se declararam pardos e 58 mil (10,5%) afirmaram ser pretos em 2020. Sendo a primeira vez no país que tivemos mais candidatos negros/as concorrendo.

Outro dado interessante é que o desempenho de candidaturas negras em espaços considerados improváveis, foram plenas de êxito, surpreendendo a tudo e a todos/as como em Curitiba (Carol Dartora – primeira vereadora negra da cidade), em Recife (Dani Portela, a mais votada), em São Paulo, (Erika Hilton mulher negra trans a mais votada), em Porto Alegre (Karen Santos, também a mais votada) ou em Vitória do Espírito Santo com (Camila Valadão, primeira mulher negra eleita vereadora).

Esses dados não deixam de ser animadores, ao tempo em que revelam o quanto precisamos caminhar para alcançar a plenitude de nossa representação política, como também o quanto teremos que lutar para garantir a plenitude da nossa cidadania. Isto porque, em quase todos os locais onde tivemos sucesso com candidaturas negras, elas vieram acompanhadas de manifestações racistas de todas as ordens e até mesmo com ameaças de morte, ensejando denúncias e pedidos de proteção à vida as autoridades de segurança.

Mas, algumas questões afloraram nestas eleições e precisam ser objeto de reflexão por parte do movimento negro brasileiro.  A primeira delas é como traduzir para o plano da política o que vem ocorrendo no plano social, tanto no Brasil como pelo mundo afora, a exemplo da campanha mundial “Vidas Negras Importam”, onde a grande novidade foi a incorporação dos não negros nessa mobilização, fato este que tem assegurado não só o sucesso na mobilização como também na adoção de medidas que mitiguem a violência racial contra a comunidade negra no geral, em particular sua juventude.

Outra questão importante, que vira e mexe, volta à baila, é até onde vai o limite do voto racial puro e simples. O caso de Salvador é emblemático: Cidade com quase 85% da população negra, elegeu para a Câmara Municipal maioria de vereadores/as negros/as> No entanto essa maioria é ligada aos setores evangélicos da cidade e com uma pauta extremamente conservadora, tanto nos costumes quanto no campo religioso, praticando de forma agressiva a intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana. Mais que isto, mesmo havendo uma opção com três alternativas negras (duas mulheres e um homem), a população preferiu eleger para a Prefeitura de Salvador uma chapa composta por brancos, representantes dos interesses da oligarquia local.

Independente da avaliação que fizermos no plano político/partidário, fica claro que o voto racial, ao menos em Salvador, foi insuficiente tanto para aproximá-lo da pauta defendida pelo movimento negro quanto para traduzir as reivindicações sociais da população em geral. A população da cidade escolheu negros/as conservadores/as para e brancos do mesmo naipe para a Prefeitura.

Sem que entendamos a complexidade da trama racial brasileira, o grau de internalização do racismo em nossa população e a busca pragmática que ela empreende para solucionar sua eterna carência (pobreza, miséria e exclusão), dificilmente avançaremos na velocidade que precisamos. Neste sentido, embora as pautas identitárias sejam importantes, elas não podem estar desconectadas da luta geral, sob pena de se transformar em manifestações exóticas e pontuais.

Somos a maioria da população, precisamos de soluções majoritárias, consensuadas e duradouras, tanto para a promoção da igualdade racial quanto para a igualdade social. Daí que articular, juntar e somar são verbos que precisam ser conjugados urgentemente por todos aqueles que desejam um país livre das discriminações de todas as ordens e dentre eles está o movimento negro brasileiro.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

 

 

 

 

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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