Ed Motta em entrevista à Raça

Veja trechos da entrevista do músico Ed Motta para a Revista Raça Brasil

 

TEXTO: Redação FOTOS: Rafael Cusato | Adaptação web: David Pereira

O músico Ed Motta | FOTO: Rafael Cusato

O músico Ed Motta | FOTO: Rafael Cusato

Ed Motta é uma daquelas figuras que dispensa apresentações quando o assunto é música. Carioca da Tijuca, começou a ouvir soul e funk quando ainda era criança, e teve o rádio como seu primeiro professor. “Ouvir Earth wind & Fire e assistir Jonny Quest comendo farinha láctea são algumas das melhores sensações da minha infância”.

Começou a aprender violão aos 7 anos e logo resolveu participar de um concurso em seu bairro para crianças que tinham aptidão para a música. Ficou em segundo lugar, tocando bateria. Apesar de adorar ouvir música e da facilidade para tocar, só na adolescência mergulhou de cabeça na arte. “A música entrou na minha vida de verdade aos 12 ou 13 anos. Ela veio de uma forma absurda, como uma verdade única, religião, motivo de estar vivo”. A paixão arrebatadora o fez abandonar os estudos para dedicar-se unicamente à carreira musical, tendo sempre a black music como principal influência.

Leia trechos da entrevista com Ed Motta

Como é o seu processo criativo?

Ed Motta: Eu sou obediente à inspiração. Esse papo de inspiração ser um jargão, algo clichê, é bobagem. Pra mim ela existe. Infelizmente, não faço música quando eu quero, adoraria fazer uma por dia, mas não é possível. Tem época que eu faço três em uma semana e depois posso passar seis meses, até um ano sem produzir. O processo de criação é basicamente no piano, mas eu escuto muito mais música do que toco. Quando sento ao piano, às vezes toco uma composição minha e, de repente, aquilo vira outra coisa, vou invertendo até começar a surgir algo novo. Parece que Deus joga uma pedra na minha mente e vem uma canção inteira. Mas também tem ocasiões que é preciso construir lentamente, como se fosse uma porcelana. E esse processo nada tem a ver com a complexidade. Tenho uma música de quatro ou cinco acordes que desenvolvo há dois anos e ainda não consegui terminar, mas já compus outras, bem mais trabalhadas, de uma só vez. Não existe fórmula.

Raça Brasil: Como você lida com estas novas tecnologias?

Ed Motta: Antigamente, eu conseguia guardar todas as minhas músicas de cabeça, mas hoje não consigo mais. Se eu compuser alguma coisa agora de manhã, eu não vou lembrar à tarde. Agora, se estou em um hotel com piano, por exemplo, e pinta uma ideia, gravo no celular mesmo. Antes eu usava aquele gravador de repórter, com fi tinhas. Inclusive tenho milhares delas guardadas, organizadas por estilo.

Raça Brasil: Você participa ativamente das redes sociais. Como você vê a interação das pessoas na internet?

Ed Motta: Existe uma democracia cultural nas redes sociais, e acho isso um dos acontecimentos mais incríveis vindos da internet. Todo mundo pode clicar no YouTube e escutar uma música que era raridade, que só os colecionadores tinham. A facilidade de encontrar o que você procura é espetacular, é a verdadeira democracia. As redes sociais trouxeram este poder, e as pessoas sentiram que têm voz. Cada um pode expressar sua opinião, ter seu espaço e seus seguidores e admiradores. A rede social é uma revolução comportamental dos nossos tempos.

"Existe uma democracia cultural nas redes sociais" | FOTO: Rafael Cusato

“Existe uma democracia cultural nas redes sociais” | FOTO: Rafael Cusato

Raça Brasil: Após participar do e Voice Brasil, como você avalia o programa? E o cenário musical brasileiro atual?

Ed Motta: No Th e Voice, vi claramente que o talento não está morto. O que a mídia nos joga diariamente é que é ruim. A relação entre música e qualidade está decadente, mas tem muita gente cantando bem, o que eu pensava que não existia mais. Várias vezes eu voltava para casa, depois doprograma, extremamente animado para tocar piano, pensando “a música realmente não morreu”. Às vezes ficamos com a sensação de que boa músicaé coisa do passado, mas o programa foi uma prova de que estamos enganados. Vários daqueles cantores sequer tinham se apresentado ao vivo em televisão, me surpreenderam. Fiquei impressionado com a desenvoltura e a presença de palco dos candidatos. É um processo diferente, pois, quando eu comecei, não subia logo de cara no palco, olhando para a câmera. O desafio delesera grande e fiquei satisfeito com os resultados.

Raça Brasil: Em entrevista anterior à revista Raça, você revelou ter passado por preconceitos raciais e sociais. Ainda vivencia este tipo de situação?

Ed Motta: Vivi uma situação de preconceito não faz muito tempo, em Berlim, em uma loja da Adidas. Eu estava escolhendo um tênis e chamaram a segurança, ficou um homem de cada lado. Falei na hora: “Você está maluco, né, cara? Acha que eu vou roubar?”. E olha que eu estava bem vestido, de gravata. O que será que eles acharam que eu ia fazer? Foi uma situação bem tensa. E quando eu morava nos Estado Unidos e saía pra comprar alguma coisa, todos me olhavam com aquele ar de “será que ele vai realmente comprar?”. Quando eu estava em Nova Iorque, passei por situações de racismo bastante constrangedoras. Nunca me esqueço de um Natal, na famosa mercearia Barzini’s, em 1993. Toda vez que eu entrava, o cara mandava o segurança ir atrás de mim. Eu sentia o tempo inteiro que estava num lugar que eu não deveria estar, e olha que já comprava lá havia quase dois anos. Naquele dia, o dono chamou o segurança porque eu estava comprando uns queijos e coisas deste tipo. Eu não aguentei e perguntei: “Pelo amor de Deus, eu já venho aqui há tanto tempo, o que você acha que eu vou fazer de diferente?”, e ele respondeu na minha cara: “Quando faltar para você, será o primeiro a roubar”. Eu deixei tudo na loja e saí chorando, foi um choque para mim o jeito como ele falou, com tanto ódio. Deixei tudo lá porque eu me toquei que comprar lá não ia me dar mais prazer, não precisava daquilo. Lá todos são divididos, os artistas do soul, funk e hip hop não são anunciados em Manhattan, não saem no Village Voice. Enfim, hoje existe uma tolerância social ao racismo, mas infelizmente os avanços são poucos. Quando você liga a televisão aqui no Brasil, as tão adoradas novelas só têm atores brancos, em um país de maioria negra.

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