Marielle o Brasil real

A execução brutal da Vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio de Janeiro, apesar de chocante, não é algo isolado dentro da crescente onda de violência que assola o país. É uma crônica de muitas mortes anunciadas. Há anos, o Rio de Janeiro vem sendo o grande laboratório da barbárie, do narcotráfico, dos grupos de extermínio, das milícias e da violência policial no seu grau mais perverso.  E o que é pior, com o beneplácito e a conivência, quando não a participação, do próprio aparelho de Estado carioca.

Os tiros que atingiram a Vereadora também atingiram a Revista Raça e toda a sociedade brasileira no momento em que celebrávamos os avanços e as conquistas alcançadas pelas mulheres em torno dos seus direitos. Este assassinato a sangue frio é na verdade um escárnio pra com o processo civilizatório brasileiro.

Mais que isto, a morte da Vereadora Marielle nos apresenta um país sem lei, sem direitos, onde a democracia está sendo violentamente contestada. É o império da lei do mais forte, é a bancada da bala se fazendo presente de forma clara e desafiadora. Mais que isto,  esta execução em verdade encarna a um só tempo várias dimensões – a do racismo, do feminicídio, da covardia, da impunidade e o desprezo mais profundo possível a tudo aquilo que signifique ou represente uma sociedade minimamente civilizada.

Este assassinato simboliza também, a conivência, a insensibilidade e irresponsabilidade com que parte significativa da sociedade brasileira, incluindo aí os poderes legislativo, executivo e judiciário tem tratado a violência no Brasil. Violência esta que tem se abatido sem dó nem piedade, em particular contra a comunidade negra e mais particular ainda contra a sua juventude.

As razões da execução de Marielle são claras como a água: Marielle morreu porque estava denunciando a violência policial nas comunidades negras e pobres do Rio de Janeiro. Marielle morreu porque era mulher, negra, pobre e representava e defendia os interesses da sua comunidade. Marielle morreu porque era uma defensora corajosa dos direitos humanos. Marielle morreu porque defendia a democracia no seu sentido mais amplo e profundo, que é do direito à vida.

Claro que devemos exigir de forma veemente e urgente que  tanto o Governo do Rio de Janeiro, quanto o Governo Federal, esclareça o mais rapidamente possível e identifique os autores desse brutal assassinato. Assim como, a punição exemplar de todos os envolvidos direta ou indiretamente neste crime hediondo.

Mas, isto só não basta, o que esse assassinato nos mostra e nos indica  é que há algo muito mais sério e importante em jogo nesse momento em nosso país –  a Democracia. Não podemos, nem devemos permitir, que em nome da segurança ou de qualquer outro argumento falacioso a Democracia tão duramente conquistada em nosso país, seja posta em risco de forma tão brutal, nem muito menos que os nossos representantes eleitos popularmente para assegurá-la tenham suas vidas ceifadas de forma tão convarde.

Por isto mesmo, muito mais do que lamentar esta morte ou homenagear esta corajosa mulher, precisamos urgentemente unir nossas forças e mobilizar o país para fazer com que a as conquistas alcançadas até agora sejam consolidadas e que os direitos democráticos de nossa população sejam definitivamente assegurados.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

Zulu Araujo

Foi Presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon – Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

 

 

*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas

 

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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