12 policiais são denunciados pela chacina em Paraisópolis
Ação no baile funk aconteceu em dezembro de 2019 e contou com 31 PMs, que foram afastados das ruas durante a investigação. Doze policiais foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio com dolo eventual e um outro por expor pessoas a perigo.
O Ministério Público de São Paulo denunciou 12 policiais militares por homicídio com dolo eventual, quando se assume o risco de matar, pela morte de nove jovens em um baile funk em Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo, em 2019. Um 13º agente foi denunciado por expor pessoas a perigo mediante explosão.
De acordo com o MP, o ocorrido foi uma “verdadeira violação dos direitos dos cidadãos que estavam no baile e moradores de Paraisópolis, em que os denunciados, de forma livre e consciente, se omitiram em cumprir com as normas previstas no Manual de Controle de Distúrbios da Polícia Militar e nos Procedimentos de Operação Padrão da Polícia Militar, em especial os da Força Tática e de uso de granadas, embora tivessem o dever legal de garantir a segurança daquela população”.
Assinada pelos promotores Neudival Mascarenhas Filho, Luciana André Jordão Dias e Alexandre Rocha Almeida de Moraes, a denúncia faz referência aos fatos ocorridos em 1° de dezembro de 2019 durante a chamada Operação Pancadão, deflagrada pela Polícia Militar durante um baile funk em Paraisópolis.
Na ocasião, os frequentadores da festa foram surpreendidos pela atuação violenta dos denunciados, que fecharam vias de acesso e fizeram com que as vítimas fossem encurraladas, morrendo por asfixia por sufocação indireta.
Ainda de acordo com a denúncia, os PMs agrediram os presentes com golpes de cassetete, garrafas, bastões de ferro e gás de pimenta. Um dos policiais lançou um morteiro contra a multidão.
Além da condenação, o MP requer a fixação de valor mínimo para reparação dos danos materiais e morais causados pelas infrações.
Em junho, a Polícia Civil de São Paulo havia indiciado nove policiais militares envolvidos no caso por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar.
Fernando Capano, advogado de 20 dos policiais investigados, afirmou que ainda não teve acesso à denúncia, mas diz estranhar que o MP tenha uma posição contrária ao indiciamento da Polícia Civil, que apurou o ocorrido por cerca de um ano e meio.
Capano diz que estuda entrar com um habeas corpus para que este caso seja julgado pela Justiça Militar, onde seria julgada a ação por homicídio culposo. E afirmou que, independentemente do foro competente, acredita que, ao final, “todos os policiais sejam absolvidos por não haver, na visão da defesa, nexo de causalidade entre a conduta dos PMs e as mortes em Paraisópolis”.
Parecer técnico de juristas
No início deste mês, um grupo de defensores públicos e advogados protocolou na Justiça de São Paulo, um parecer técnico no processo que apura a morte dos nove jovens. O documento atesta que a ação dos policiais militares no caso deve ser enquadrada como homicídio doloso, onde há intenção de produzir a morte das vítimas.
A visão desses juristas difere da avaliação da Polícia Civil que concluiu o inquérito do caso apontado que os PMs cometeram os crimes, mas na modalidade culposa, praticado sem a intenção de gerar o óbito dos nove jovens.
O parecer técnico foi protocolado na 1ª Vara do Juri do Foro Central Criminal do estado de São Paulo. A petição é assinada por quatro criminalistas: Davi Tangerino, Flavia Rahal Bresser-Pereira, Hugo Leonardo e Priscila Pamela dos Santos, além de cinco defensores públicos: Davi Quintanilha de Azevedo, Fernanda Penteado Balera, Letícia Marquez de Avelar, Ana Carolina Oliveira Schwan e Daniel Palotti Secco.
Já o parecer técnico foi produzido pelos juristas Antonio Martins, professor adjunto de Direito Penal e Criminologia da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e por Juarez Tavares, professor emérito da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).
“A ação coordenada, com divisão de tarefas, de cerco aos participantes da aglomeração, impedindo-os ou diminuindo-lhes a chance de fugir, tornou o resultado morte altamente provável e demonstrou, no mínimo, a indiferença dos policiais acerca desse resultado”, afirmaram os dois juristas no parecer.
Indiciamento pelo DHPP
A Polícia Civil de São Paulo indiciou em junho nove policiais militares por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar, pela ação que terminou com a morte dos nove jovens em Paraisópolis.
Ao todo, 31 policiais militares foram afastados das ruas e são investigados por participação na ação. O caso ainda não foi encerrado pelo Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP).
De acordo com o delegado Manoel Fernandes Soares, que conduz o inquérito, concluiu-se que as mortes das vítimas decorreram da atuação culposa de nove policiais.
“Os quais, durante o desenrolar dos fatos, não observaram o necessário cuidado objetivo que lhes era exigível, sendo previsível, no contexto da ação, a ocorrência de resultado letal”, diz Soares no documento de indiciamento.
O delegado avaliou ainda que já era do conhecimento dos policiais envolvidos “a existência e complexidade do baile da DZ7, bem como que a aproximação da viatura causaria correria e comportamento hostil por parte dos frequentadores”.
Aos policiais também foi imputada a infração de abuso de autoridade. No entanto, o delegado afirma que, por tratar-se de uma infração de “menor potencial ofensivo”, os PMs não serão indiciados por essa conduta.
Em nota, o advogado que representa 5 dos 9 policiais indiciados no inquérito afirmou que “entende que tal posicionamento não condiz com a leitura jurídica correta acerca dos fatos, visto que não há como traçar nexo de causalidade entre as condutas praticadas pelos policiais que participaram da ocorrência e a causa das mortes, nos termos do que sustentamos desde o início.”
A defesa disse ainda que espera que o Ministério Público conclua que não há lastro para o oferecimento da denúncia, nos termos sugeridos pelo DHPP. “Iremos lutar até o fim pela completa absolvição dos policiais, até mesmo para que os verdadeiros culpados pela tragédia sejam responsabilizados.”
A tragédia
Testemunhas e sobreviventes contaram ter visto policiais militares lançarem bombas de gás contra as pessoas que estavam no baile e fugiram para vielas do bairro na madrugada de 1º de dezembro de 2019. Ao menos nove PMs teriam chegado primeiro ao local. Depois vieram mais policiais.
De acordo com a Defensoria Pública, os agentes da PM encurralaram as vítimas em um beco sem saída, conhecido como Viela do Louro. Depois passaram a agredir os jovens, provocando tumulto. Vídeos gravados por moradores mostram as agressões durante a dispersão.
Muitas pessoas não conseguiram sair da viela e morreram sufocadas, prensadas umas às outras. Laudo pericial confirmou que oito vítimas morreram asfixiadas e a outra, por traumatismo.
Exames apontaram ainda que as vítimas chegaram mortas aos hospitais, algumas com lesões compatíveis com pisoteamento.
O que dizem os PMs
Os PMs que participaram da ação negam ter encurralado os frequentadores do baile funk na viela. Eles alegam que os jovens morreram pisoteados depois que dois criminosos em uma moto, que eram perseguidos pelos agentes, se infiltraram na festa e atiraram na direção dos policiais.
Os suspeitos procurados pelos agentes nunca foram identificados ou presos.
A versão dos PMs, do início da perseguição policial aos suspeitos, está presente em vídeo gravado por câmeras de segurança e também no laudo virtual.
Entre 5 mil e 8 mil pessoas participavam do Baile da DZ7 naquela madrugada na comunidade. A festa ocorria perto de três ruas: Rodolf Lutze, Iratinga e Ernest Renan.
De acordo com os PMs, houve tumulto e a população os agrediu com paus, pedras e garrafadas. Eles então decidiram usar balas de borracha, bombas de gás e de efeito moral e cassetetes para dispersar a multidão que participava do baile.
As vítimas
Em dezembro de 2020, a Defensoria Pública do estado pediu que o governo do estado pague uma indenização aos familiares dos mortos pelos atos cometidos.
Na ocasião, a gestão estadual afirmou que qualquer decisão a respeito ainda dependia da conclusão das investigações. Há um processo na Justiça Militar e outro na justiça comum sobre o caso.
Na avaliação da Defensoria, o governo paulista tem de ser responsabilizado pelas mortes. Segundo os defensores, as pessoas morreram somente por causa da atuação violenta da Polícia Militar para dispersar os frequentadores da festa.
“Sabemos que nenhum dinheiro trará as vítimas de volta. Mas esse reconhecimento tem efeito simbólico muito importante. Seria o Estado reconhecendo que, por ação de seus agentes de segurança, aquelas pessoas morreram”, disse a defensora pública Fernanda Penteado Balera, coordenadora auxiliar do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos.
Os defensores ainda afirmam que a Procuradoria Geral do Estado não precisa esperar a conclusão do inquérito policial para indenizar as famílias.
Veja abaixo quem são os 9 mortos em Paraisópolis:
Mateus dos Santos Costa, 23 anos, morreu por traumatismo
Gustavo Xavier,14 anos, morreu por asfixia
Marcos Paulo Oliveira, 16 anos, morreu por asfixia
Gabriel Rogério de Moraes, 20 anos, morreu por asfixia
Eduardo Silva, 21 anos, morreu por asfixia
Denys Henrique Quirino, 16 anos, morreu por asfixia
Dennys Guilherme dos Santos, 16 anos, morreu por asfixia
Luara Victoria de Oliveira, 18 anos, morreu por asfixia
Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos, morreu por asfixia