17 homens e um preconceito
A foto do encontro, ocorrido nesta sexta-feira (8) em São Paulo, tem sido criticada nas redes sociais pela ausência de mulheres e negros.
No total, 19 pessoas aparecem na fotografia —há duas mulheres e nenhum negro.
“Bom dia a todos. Ia dizer a todos e todas, mas infelizmente não temos muitas mulheres nessa mesa”, declarou a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ao abrir a reunião entre PT e PSB que selou a indicação de Geraldo Alckmin (PSB) para concorrer a vice-presidente na chapa de Lula (PT).
“Isso mostra que a gente vai precisar avançar muito na política de inclusão das mulheres no processo político”, completou Gleisi. Ela e a noiva do ex-presidente Lula, Rosângela da Silva (Janja), eram minoria na sala.
Ao final de seu discurso, Lula se dirigiu ao presidente do PSB, Carlos Siqueira. “Queria fazer uma sugestão a você e a Gleisi: que, na próxima reunião, a cada homem na mesa tenha uma mulher”, disse.
Lula ressaltou que, ao visitar o México, soube que a Câmara dos Deputados local tem 52% de mulheres. No Brasil, em 2018, as mulheres foram eleitas para 15% das vagas na Câmara.
“Não quero chegar a tanto tão rápido, mas pelo menos repartir um pouco mais de cadeiras”, completou Lula.
A ausência de negros não chegou a ser mencionada na reunião.
Da parte do PT, além de Lula e Gleisi, participaram os deputados federais José Guimarães (CE), Paulo Teixeira (SP) e Reginaldo Lopes (MG); o senador Paulo Rocha (PA); o deputado estadual Emidio de Souza (SP); o secretário de comunicação do PT, Jilmar Tatto; e o presidente da fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante.
A comitiva do PSB incluiu Alckmin; Siqueira; o ex-governador Márcio França (SP); os deputados federais Danilo Cabral (PE) e Alessandro Molon (RJ); o prefeito João Campos; o governador Paulo Câmara (PE); o deputado estadual Caio França (SP); e o ex-prefeito Jonas Donizette.
O órgão de comando do PSB, a executiva nacional, tem 40 cadeiras e 5 mulheres. Já no PT, a executiva nacional tem 31 vagas, sendo 16 de mulheres.
“Cadê os negros/as, cadê mulheres, Lula? Queremos estar do lado de lá da mesa”, cobrou o professor de direito e colunista da Folha Thiago Amparo nas redes sociais.
Vereadora do PT no Rio de Janeiro, Tainá de Paula afirmou que a “foto que expõe o racismo e a misoginia partidária”, mas criticou as cobranças que recaíram sobre ela, mulher e negra, a partir do episódio.
“Os partidos não são estéreis ao racismo e à misoginia social e estas questões nos atravessam e nos dividem”, escreveu ela nas redes, complementando que o PT não está alheio a esse debate e reforçando a campanha para Lula.
“Ser o partido com o maior número de pessoas negras eleitas e pessoas trans eleitas nos coloca em um lugar de responsabilidade.”
A foto também foi alvo de ironia entre a direita. O membro do MBL (Movimento Brasil Livre) Guto Zacarias questionou se a representatividade “era tudo discurso pra ganhar eleição”.
Jessica Holl, advogada e coordenadora legal da Associação Visibilidade Feminina, afirma que “a dificuldade de mulheres alcançarem cargos altos nas cúpulas ocorre em todos os partidos, sejam mais à esquerda ou à direita”. “É um problema que precisa ser enfrentado abertamente”, diz.
A foto, na avaliação de Holl, “provocou uma percepção social de que algo não está correto, pelo menos é uma realidade que incomoda”.
A pesquisadora pontua que PT e PSB frequentemente cumprem a cota de gênero ao lançarem suas candidaturas, mesmo num contexto de anistia aos partidos que não o fazem.
Holl sugere medidas como cotas para negros e mulheres nos órgãos de direção dos partidos ou reuniões em horários adequados para aquelas responsáveis por atividades do lar ou filhos.
“O que falta é um movimento interno para a inclusão. Pequenos passos internos nos partidos para permitir que as mulheres de fato ocupem espaços e se sintam confortáveis”, diz.
“Não vamos normalizar essa situação, gerou incômodo para todas nós”, afirmou a secretária nacional de Mulheres do PT, Anne Moura.
Ela ressalta que o partido tem paridade de mulheres na executiva nacional e cotas raciais e etárias para a composição do órgão. Moura afirma que o episódio provocou reflexão interna. “É um processo de diálogo e construção. Existe um caminho”, disse.
A secretária diz ainda que tanto o PT como o PSB têm membros representantes de minorias não apenas para compor uma foto, mas para participar das decisões.
“Vamos chamar a atenção para a participação na construção da campanha, que a gente espera ser a mais plural possível, com os setores mais atingidos por esse governo [de Jair Bolsonaro]. A responsabilidade do PT é maior por representar a esperança nesta eleição”, completa.