95 anos de Clóvis Moura

Quando investigamos a formação do pensamento social brasileiro, nos deparamos com um volume denso e robusto de escritos, pesquisas, ensaios, artigos e livros que norteiam acerca de como se deram os processos estruturais nas relações sociais das diferentes raças que constituem a formação do povo brasileiro. O pensamento social brasileiro inaugura uma nova sociologia que se propõe a compreender as relações de raça, classe e território sobretudo na elaboração de teses que darão fundamentação teórica para legitimar o modelo estruturalista que se instalou no Brasil no pós-abolição. Em tese, é correto dizer que o surgimento da sociologia ocorre no século XIX, a princípio, por influência da teoria positivista de Auguste Comte, mas é importante ressaltar que muitos acontecimentos anteriores e concomitantes ao surgimento dessa nova ciência humana contribuíram para a sua formação. Há estudos que discutem a sociologia no Renascentismo e no Iluminismo, mas a sociologia enquanto ciência ocorreu com o trabalho desenvolvido pelo jurista e sociólogo francês Émile Durkheim, que formulou o primeiro método preciso e exclusivo para a nova ciência e a introduziu na universidade como disciplina autônoma.

No Brasil o pensamento social foi desenvolvido por intelectuais como Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Caio Prado Junior, Sergio Buarque de Holanda entre outros que criaram uma leitura sociológica e acadêmica utilizada até os dias de hoje.

Isto posto, inicio aqui um pensamento crítico sobre os apagamentos sistêmicos que a academia, condicionada ao pensamento euronormativo, potencializa na medida em que não considera importantes estudos de pensadores pretos que escreveram obras decoloniais com um olhar crítico sobre a estrutura social brasileira. Entre nomes como os de Lélia Gonzales, Abdias do Nascimento, Milton Santos, Beatriz Nascimento, Suely Carneiro e tantos outros que não são utilizados como marcos teóricos nas principais universidades, destaco o nome do professor Clóvis Steiger de Assis Moura, conhecido como Clóvis Moura.

O professor Clóvis Moura nasceu na cidade de Amarante, no Piauí, e foi um sociólogo, jornalista, historiador e escritor que dedicou a maior parte de sua vida para investigar as relações sociais do negro no Brasil.

Em destaque, o sociólogo produziu o livro Argila da Memória, em que fala da sua infância no interior, do Rio Parnaíba e de mitos do folclore piauiense, como a lenda do Cabeça de Cuia. Um marxista de pensamento que estava para além do seu tempo, o sociólogo desenvolveu a Sociologia da Práxis Negra.

Como intelectual com uma visão decolonial, Clóvis Moura questionou a visão de Gilberto Freyre sobre a passividade do negro no Brasil, destacando a resistência à escravidão dos quilombos e seu poder de resiliência a partir das rebeliões dos escravizados e da formação de dezenas de quilombos em todo o país. Apoiando-se na teoria de Marx, analisou a luta de classes no sistema escravista pela perspectiva do capitalismo primitivo. Para Clóvis Moura, a sociedade escravista brasileira era subdividida em duas classes antagônicas: os senhores de escravos (classe dominante) e os escravos (classe dominada). Em suas teorias, Moura conclui que os escravos produziam os bens materiais e as riquezas enquanto os senhores de escravos detinham a propriedade e os meios de produção. Após a abolição, os escravos, apesar de terem produzido as riquezas que alicerçaram a economia brasileira, não tiveram direito à propriedade.

O professor Clovis Moura teve uma importante atuação na cena política nacional quando militou pelo Partido Comunista Brasileiro e, em 1962, na cisão do partido, depois quando migrou para o PCdoB. Destacou-se pela militância pioneira no movimento negro brasileiro. Colaborou com artigos para jornais da Bahia e de São Paulo.

Publicou uma coleção de obras literárias como Rebeliões da senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas (1959), Argila da Memória (1962), O Negro: de Bom Escravo a Mau Cidadão? (1977), A sociologia posta em questão (1978), Diário da Guerrilha do Araguaia (1979), Os Quilombos e a Rebelião Negra (1981), Brasil: as raízes do protesto negro (1981), Sociologia do Negro Brasileiro (1988), As injustiças de Clio: o negro na historiografia brasileira (1990), Dialética Radical do Brasil Negro (1994), Dicionário da escravidão negra no Brasil (2004).

Nos 95 anos do professor Clóvis Moura, deixamos o nosso muito obrigado a esse importante intelectual do pensamento social preto brasileiro.

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Sociólogo, músico e sambista. Autor do livro "Casa Verde, uma pequena África paulistana”.

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