Deus é mulher. Deus é Elza
Por Duany Santos
A louva-a-deus do Jazz.
Elza Soares foi parida pelo planeta fome, cria da comunidade de Padre Miguel no Rio de Janeiro e dona de uma vida dedicada à música e à cura. Menininha amada por São Jorge, aos cinco anos de idade foi visitada por ele, que avisou-lhe que ela apanharia muito da vida, mas ela nunca deixou de revidar. Elza aprendeu a cantar com a lata d’água na cabeça e ao som do louva-a-deus, a voz rasgada encontrou o swing de Louis Armstrong e Ella Fitzgerald no pequeno inseto verde que produz zumbido, para ela fascinante.
Mas hoje o Louva-a- Deus não vai cantar.
Elza participou do seu primeiro show de calouros para comprar remédios para o filho doente, vestia o vestido de sua mãe, ela tinha o dobro de seu tamanho, os alfinetes para ajustar o tamanho do vestido foram motivo de riso e ela calou a todos. A música de Elza foi um alfinete de ponta cortante. Décadas mais tarde, voltou a ter seu figurino coberto de alfinetes em lembrança a seu início de carreira. Elza é uma mulher de linhagem, a bisavó Henriqueta, a avó Cristina e a mãe Rosaria, foram todas mulheres escravizadas que sustentavam uma a outra e todas a ela.
Mas hoje o Louva- a – deus não vai cantar.
A cantora de voz rouca e de cabelo black power que atravessou o samba, jazz, mpb, música eletrônica e chamou a bossa nova de bossa negra foi consagrada no exterior, durante seu exílio devido a perseguição da ditadura militar no Brasil. Elza cantou, para ela cantar ainda é remédio bom, acumulou prêmios no exterior e foi difamada e perseguida pelo jornalismo branco brasileiro. Ela é cria do samba, e não parou de sambar, se tornou a primeira mulher a ser cantora de samba-enredo no Brasil.
Mas hoje o Louva- a – deus não vai cantar.
Elza cantou até o fim, sua voz foi nascente fértil de cura e uma resposta a altura para uma vida dedicada à arte, ela nos orgulhou, inspirou e marcou a história da música negra no Brasil e no mundo. Mulher carregada por forças da sua ancestralidade, apresentou o Brasil a ele mesmo, seu tempo foi ser uma mulher negra e foi mais mulher do que qualquer um pode ser homem, não houve gênero musical que ela não pode ter domesticado, sua biografia não deixa dúvidas de que ela é a dona da fênix e transformou o fogo em leite materno se nutrindo do veneno que queria consumi-la. Partiu em paz, em casa e sem pressa. O louva-a-deus romperá o luto e em seu zumbido nós louvemos a deusa.
Duany Santos
Produtora cultural e coordenadora do coletivo Leitura em Movimento.