A inspiração da igualdade no Brasil
Texto: João Jorge Santos Rodrigues
Esta luta tem tido bons avanços e muitos recuos, há um novo posicionamento de setores conservadores em diversos países que veem a igualdade como algo ruim e preferem manter os privilégios e classe de castas e ou de status social. Após a segunda guerra mundial, o chamado mundo livre ou democrático foi surpreendido com manifestações antirracismo e pró igualdade em diversos países tais como Estados Unidos, Inglaterra, França, África do Sul e Brasil, além da explosão das independências dos países africanos, desde 1957 (Ghana).
Em todos estes casos as inspirações sobre a igualdade foram fundamentais para mobilizar e gerar uma consciência crítica de como os casos de racismos não eram individuais e sim estruturais e institucionais, e que deveriam ser resolvidos seguindo os diferentes modelos de inspiração nacional, via a religião, via a cultura, via o
esporte, ou um herói nacional ou local, ou ainda um fato extraordinário, que pudesse produzir a liga das pessoas e as novas necessidades de lutas contra o racismo e outras ideologias, tais como machismo, capitalismo etc.
A vivência de Mandela, King, Ghandi, Nkrumah, Almicar Cabral, Agostinho Neto, exigiu destes lideres referências e inspirações positivas para o exercício de práticas de desobediência civil e mobilizações contra o apartheid e contra o racismo e a luta contra a política de castas, e a dominação inglesa na África Ocidental. Foi um período do nascimento da negritude e do uso da desobediência civil como inspiração para a busca da igualdade de um país para outro.
Nos casos de Rosa Park, nos Estados Unidos, e de Ghandy na Índia, e Mandela com as queimas de passaportes para circulação interna na África do Sul, estes foram a inspiração para a luta de liberdade e para a Guiné-Bissau e Angola, países de língua portuguesa, cuja ideia de renascimento africano foi a inspiração fundamental cujos exemplos chegaram ao movimento negro antirracista do Brasil.
Trago uma proposição sobre a ideia de buscarmos na Revolta dos Búzios a inspiração que os brasileiros precisam para avançarem em prol da igualdade social nacional. No caso brasileiro, algo para ser pensado sob a ótica de combate à desigualdade e de promoção da igualdade racial étnica que precisamos mudar socialmente. Nossas referências têm sido de ícones da África, Estados Unidos e Índia; contudo, há um fato nacional ocorrido em Salvador, Bahia, em 1798, forte o suficiente para inspirar os brasileiros na busca desse caminho utilizando como referência os valores da igualdade, da fraternidade para a independência do Brasil e um desenvolvimento nacional, e abertura de portos às nações amigas.
Durante os 521 anos, a luta pela liberdade e igualdade no Brasil foi uma ação básica dos oprimidos contra opressores e vice-versa, a exemplo dos africanos, dos povos indígenas, das mulheres e de vários setores sociais em busca de oportunidade e igualdade. Essa pauta avança em todo o mundo, apesar de a velocidade não
acompanhar a urgência que o tema exige. Em pleno ano de 2021, observamos que esta luta continua intensa com vários casos de racismo, opressão a grupos minoritários, fazendo com que a luta por igualdade continue como imprescindível em prol da cidadania e da democracia, o principal valor civilizatório a ser alcançado para o nosso efetivo progresso e desenvolvimento.
Apesar de avanços conquistados com as ações afirmativas, o movimento das empresas nacionais e internacionais pela busca da diversidade e inclusão e imprensa em geral para dar visibilidade às situações promovidas pelo racismo estrutural e institucional, acompanhamos ainda casos inaceitáveis de discriminação contra pessoas de cor negra ou parda em todo o mundo. Casos que ganharam visibilidade mundial como o de George Floyd, e dezenas de outros casos, tais como a morte de mulheres negras por balas perdidas, na Bahia e no Rio de Janeiro, que são divulgados diariamente nos jornais locais e nacionais e que nos revoltam. Quando o massacre ao nosso povo afrodescendente vai acabar?
Apesar de tantos anos de luta, o que eu ainda não me conformo e atuo para esclarecer e visibilizar, é que a Bahia e o Brasil possuem uma belíssima história de Luta pela igualdade através da Revolta dos Búzios e, ainda assim, buscamos inspirações estrangeiras para avançarmos nesse quesito. A Revolta dos Búzios, também conhecida como Revolta dos Mulatos, ou Revolta das Argolinhas ou Revolta dos Alfaiates, aconteceu entre os dias 12 e 25 de agosto de 1798, em Salvador, na Bahia, sendo para mim o maior marco da luta de importantes baianos em prol da igualdade e fraternidade.
Acredito ser importante usar esses personagens como inspiração e referências na cidade do Salvador e no
Brasil, propagando suas histórias através da inclusão desse tema no currículo escolar, com compromisso de contar essa história brasileira, nomear ruas e avenidas com o nome dos heróis, colocar seus bustos em
praças, apoiando assim a consciência dos cidadãos brasileiros sobre a vida desses homens que inspiram a
minha luta e que fazem parte da história desse país.
Os desejos dos baianos revoltosos de 1798 incluíam um novo projeto de sociedade baseado na igualdade e
na fraternidade. A vontade política manifestada por escrito nos panfletos apreendidos nas ruas de Salvador entre 12 e 25 de agosto daquele ano ainda está por acontecer na Bahia e no Brasil da atualidade.
A igualdade de oportunidades, de acesso à educação de qualidade, ao emprego, à segurança pública, à
moradia, aos serviços públicos ainda são um sonho na nossa sociedade atual, ora nos enchendo de esperança, ora nos fortalecendo na luta a favor dos direitos civis igualitários de todos os cidadãos brasileiros.
A mensagem de 1798 foi bem simples e direta. Há de chegar o tempo em que seremos felizes, há de chegar o tempo em que seremos todos irmãos, há de chegar o tempo em que seremos todos iguais. Esse exemplo real do nosso povo é uma poderosa inspiração para formar as nossas futuras gerações sob a perspectiva do respeito, da não violência contra os nossos irmãos e na busca da igualdade de oportunidades para todos.
Com tantas mazelas que vivemos, ter inspirações reais nos ajuda a avançar, utilizando esses personagens
como instrumento de luta simbólica fundamental para o avanço democrático. Os movimentos negros do Brasil de 2021 podem aprender muito com uma revolta de descendentes de africanos urbanos, que não tinha motivação religiosa ou étnica, e que incluiu na luta contra o racismo, negros, mulatos e brancos. A pergunta que não quer calar é por que uma cidade que celebra tanto a resistência negra, celebra os heróis de qualquer lugar
do mundo, fica em silêncio no momento de celebrar a Revolta dos Búzios.
Em Salvador nós do Olodum carregamos a bandeira da Revolta dos Búzios, reivindicando para que esses heróis estejam incluídos nos símbolos positivos da cidade, do Estado e do Brasil. A inspiração da Revolução dos Alfaiates, a Revolta dos Búzios nos humaniza de novo, pois mostra homens e mulheres negros envolvidos com a construção da igualdade, da democracia, da abolição da escravatura, e escrevendo os primeiros documentos brasileiros a clamar por liberdade total. Nesse momento em que tanto se fala em direitos humanos, nós da comunidade negra, temos de ter a alegria e honra pelo orgulho de sermos os pioneiros neste país na luta pela igualdade.
Em 1798, os baianos revolucionários pensaram e lutaram por salários iguais, oportunidades para todos e comércio livre com todas as nações do mundo. Convido os líderes do país a resgatar as imagens daqueles
nossos ancestrais, cujas ideias de igualdade de oportunidades são uma positiva e mobilizadora e inspiradora ideia de acesso aos recursos do Brasil e alavanca para um desenvolvimento real da nação, hora de fazer valer a máxima de uma frase de 1798 com validade atual. Os onze avisos escritos por nossos antepassados como uma mensagem de orientação traziam várias mensagens assinadas pelos primeiros deputados deste país, e uma dessas mensagens dizia: “Há de chegar o tempo em que todos seremos iguais, o tempo em que todos seremos irmãos”, uma forte inspiração para os dias atuais.
“Todos terão direitos, sejam negros, mestiços e brancos…” (1798).