Raça indica: livros
Os livros são ótimos companheiros e nada como uma boa leitura para esse domingo ficar ainda mais leve. Por isso, a RAÇA separou 4 indicações para completar seu acervo de conhecimento:
Carolinas: a nova geração de escritoras negras brasileiras
Júlio Ludemir (organizador)
Será que, enquanto escrevia seus diários nos cadernos que reciclava, Carolina de Jesus tinha ideia de que iria influenciar tanta gente no futuro? Ela descortinou um caminho que possibilitou a muitas pessoas verem-se também como produtoras de textos literários. São muitas as mulheres negras, moradoras de periferia ou não, que, olhando para Carolina e para sua determinação de perseguir seu sonho, sentem-se motivadas e inspiradas. É isso o que mostra o livro “Carolinas”. A obra resulta de um processo de formação da Flup — Festa Literária das Periferias, que teve como ponto de partida a vida e a obra da autora que saiu da favela do Canindé para alcançar projeção nacional e internacional na década de 60. No livro, são 180 mulheres que, a partir dessa inspiração, escrevem contos, crônicas e relatos autobiográficos. Os textos são curtos e a abordagem literária e o vocabulário são bem diversos. Os temas também são variados: infância, trabalho, cuidado com filhos e a luta pela sobrevivência na favela aparecem, mas também o erotismo, os sonhos e as conquistas. O bom
é ver que gerações de escritoras negras vão surgindo e juntam-se a outras gerações que já estão na estrada. Essa é uma característica da cultura afro: tradição e modernidade não se opõem. As escritoras que surgem vão trazendo sua contribuição para o coletivo. Esse mesmo coletivo que outras escritoras, que já têm mais tempo de estrada, continuam fortalecendo com sua arte e seus ensinamentos. E é para esse círculo de afetos e emoções que o leitor e a leitora são convidados.
Cruz e Souza — últimos inéditos: prosa e poesia
Uelinton Farias Alves (coordenação, introdução e notas)
O maior poeta simbolista brasileiro, Cruz e Souza, ainda corre o risco de permanecer “emparedado”, conforme o termo usado por ele num dos seus poemas em prosa mais famosos. Mas a parede que se ergue em torno dele atualmente é construída com tijolos de esquecimento, que são vez ou outra pintados com tintas de memória, como as que dão vida a este livro organizado por Tom Farias. Lembrar que Cruz e Souza também foi um
abolicionista é necessário, assim como é revigorante ler textos inéditos do poeta catarinense. Nascido em 1861 na cidade de Desterro, que atualmente se chama Florianópolis, Cruz e Souza dominou como poucos a arte de fazer poesia em versos e em prosa. Seus livros “Missal” e “Broquéis” marcaram o início do movimento simbolista no Brasil. Mas ele também editou jornais que combatiam a escravidão, e nesse percurso usou muita ironia
e escreveu textos debochados como este: “Criva de setas / E de cebolas / As panças retas / Das coisas tolas”. O livro nos traz um lado do poeta mais engajado com os problemas sociais de seu tempo, preocupado não só com a escravidão, mas com a educação, a situação da mulher, o preconceito e as condições de vida da época. São textos desiguais, que muitas vezes surpreendem. É sempre salutar visitar a poesia de Cruz e Souza, mas esse trabalho minucioso de resgatar textos inéditos, feito por Tom Farias, nos proporciona uma leitura mais ampla de Cruz e Souza e ilumina com mais intensidade um lado não tão conhecido desse grande escritor.
No meu pescoço
Chimamanda Ngozi Adichie
Celebrada mundialmente, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi é uma celebridade pop reconhecida tanto por seus textos quanto por suas palestras. “No Seu Pescoço” é um livro que traz doze contos. As protagonistas são em sua maioria mulheres jovens e as ações ocorrem principalmente na Nigéria e nos Estados Unidos. Chimamanda nos dá um panorama da cultura de seu país natal e estabelece um paralelo com a realidade que suas personagens encontram em solo americano. O conto que dá título ao livro é narrado em segunda pessoa, o que traz a sensação de que o leitor ou leitora são protagonistas das ações. Nele, a personagem fala sobre a expectativa que tinha antes de chegar aos EUA: “Você pensava que todo mundo nos Estados Unidos tinha um carro e uma arma; seus tios, tias e primos pensavam o mesmo. Logo depois de você ganhar a loteria do visto americano, eles lhe disseram: daqui a um mês, você vai ter um carro grande. Logo, uma casa grande. Mas não compre uma arma como aqueles americanos.” Chimamanda fala desse “deslocamento”, mas fala também de política, injustiça social e desigualdade de gênero. Dona de uma prosa potente, entrega textos que permitem sentir a tristeza das dúvidas, assim como a alegria da vitória de suas personagens. Também nos possibilita compreender um pouco mais as relações familiares e de poder em um país africano e o quanto determinados hábitos são capazes de sobreviver no íntimo de cada pessoa, apesar dos deslocamentos e das distâncias.
Ashanti: nossa pretinha
Taís Espírito Santo / Ilustrações de Cau Luis
O nascimento da filha era muito esperado naquela família. Como a maioria dos pais, aquele casal também queria criar um ambiente de amor para a criança; eles queriam recebê-la com muito carinho. Foram ao sábio, que os orientou a ouvir o que a criança tinha a dizer. Quando o pai colocou suavemente a mão na barriga da mãe, pareceu-lhe que a criança falava seu próprio nome bem baixinho. O pai se assustou, mas a mãe deu risada. No ventre, a menina imaginou ouvir uma voz dizendo-lhe que ela era fruto do mais puro amor. Com certeza aquela criança seria recebida com muito cuidado e teria muita proteção. Essa é uma mensagem que este livro passa: toda família deveria receber seus filhos num ambiente acolhedor. O nascimento de uma criança
muda inevitavelmente a rotina de seus pais e às vezes nem todos têm estrutura para enfrentar e vencer os desafios que se apresentam. Mas a leitura do livro de Taís do Espírito Santo traz esta reflexão de vital importância: cercar com muito amor e cuidado uma criança que vem ao mundo, como faz a família pretinha de Ashanti, é o primeiro passo e a atitude mais fundamental para vencer qualquer barreira ou dificuldade que venha a surgir no caminho.