Zulu Araújo.
Conheci Alzira Rufino, pessoalmente, numa solenidade de entrega de título de cidadão paulistano ao CEO da Revista Raça, Maurício Pestana, em 2009. Era o único baiano naquela importante solenidade e fiquei impressionado com a postura altiva daquela mulher. Ela era firme e decidida. Não tinha meias palavras. Era do tipo – fratura exposta. Falava o que pensava em alto e bom som e expressava altivez no corpo, na alma e na voz. Já a conhecia a algum tempo por conta do seu trabalho e da sua liderança no movimento negro paulista. Mas sua força presencial era incrivelmente poderosa. Ali soube que ela tinha um carinho enorme pelo Pestana e que a reciproca era absolutamente verdadeira. Fiquei feliz.
Essa mulher singular, não era uma mulher empoderada como se diz nos dias atuais, era muito mais que isto. Ela era o próprio empoderamento. Fazia parte de uma linhagem de grandes mulheres negras da luta de combate ao racismo no Brasil, tais como: Tereza Santos, Suely Carneiro e Lélia González. Foi pioneira e ousada dentro e fora do movimento negro. Criou e liderou inúmeros grupos e instituições. Rompeu barreiras, brigou, questionou, enfrentou o racismo, o machismo, a branquitude do movimento feminista, a intolerância e todo o repertório de iniquidades que vicejam em nosso país, mas sempre de peito aberto e cabeça erguida.
Foram mais de cinquenta anos de luta e labuta. Neste período ela foi enfermeira, escritora e ativista política das mais importantes da cena do movimento negro brasileiro, em particular do movimento feminista negro. Iniciou sua trajetória no fim dos anos setenta. Já em 85, organizou a Primeira semana da mulher negra da Baixada Santista. Em 86, criou o Coletivo de Mulheres Negras. Em 87, organizou um livro intitulado – Eu, mulher negra – lá estava suas histórias e poesias. Só veio a publicá-lo em 88, por conta própria, pois não encontrou nenhuma editora com coragem suficiente para apoiar aquela ousadia. E exatamente pela qualidade da sua poesia, é que foi convidada a participar da III Feira Internacional do Livro no Canadá.
Em 1990, criou a instituição que passou a ser a referência maior de sua vida, assim como da vida de muita gente, em particular das mulheres negras brasileiras – A Casa da Mulher Negra de Santos. A Casa, que está firme e forte até hoje, sempre foi, muito mais que um espaço de acolhimento, das jovens mulheres negras de Santos, vitimas de toda sorte de discriminações e privações. Foi em verdade, a grande fornalha para a preparação e surgimento de inúmeras outras mulheres negras com a mesma força e tempera que possuía. Exemplo maior desse seu trabalho é a presença de uma das suas pupilas na cena política brasileira, a reconhecida intelectual Djamila Ribeiro que deu os seus primeiros passos naquela instituição.
Essa era Alzira Rufino, exemplo e referência da luta feminina negra no país. Um grande Axé para ela e sua família.
Toca a zabumba que a terra é nossa!