A FORÇA DE 40 LIDERANÇAS NEGRAS

Comecei, há poucos dias, um novo curso para executivos. Seria mais um curso, salvo o detalhe: a turma é composta por 40 lideranças negras. A última vez que entrei numa sala com tantas pessoas pretas, foi na escola pública da periferia de São Paulo, há uns quase 30 anos. 

Não posso negar a emoção de olhar para o lado e me reconhecer. De vê que tudo o que falamos sobre diversidade, inclusão e racismo  começa a ganhar um espaço real. Orgulho define. Dias de glória entre tantos dias de luta. Não é exagero dizer que pouca gente ousaria sonhar com isso há 50, 60 anos.

Nas trocas, nos relatos pessoais, iam se tecendo 40 histórias diferentes. Sotaques, DDDs e CEPs se misturavam com indústrias, cargos e universidades. Era a trama de um coletivo vitorioso. De um grupo com opiniões diferentes, sim e, potente, exatamente, por isso. Um primeiro encontro para deixar qualquer orixá orgulhoso pelo espaço conquistado. Estávamos ali para desafiar as estatísticas e a estética de quem, geralmente, ocupa cargos de lideranças. Tranças, dreads, feições de um Brasil que precisa se reconhecer bonito por natureza. 

Nesses anos de convívio corporativo, quantas vezes tentei me adequar. Cabelo raspado, terno italiano e sapato engraxado. Contrariado, falava baixo pra não chamar atenção, afinal prego que se sobressai leva martelada. Ter a oportunidade de estar ao lado de pessoas como eu, me despir de rótulos, sem medo de julgamentos, foi uma experiência ímpar.

Lembrei de Malcolm X: “Quem o ensinou a dizer que você não pertence a este lugar? Quem a ensinou a odiar sua cor e acreditar que seu cabelo e nariz não são bonitos?” Quando criança, eu tinha alguns sonhos. Mas a escola e a idade chegaram com a realidade de poucas escolhas. Mas a “minha meta é dez, nove e meio nem rola”.

Quando me tornei executivo, e me reconectei com outros jovens, percebi o óbvio. Há um abismo entre os nossos sonhos e o mundo concreto. Passei a enxergar outra estatística: no Brasil, de cada 20 executivos, só 1 pessoa é preta. No caso, eu, o único preto na sala. Será que pretas e pretos não querem ser CEO ou presidente de empresa? Óbvio que sim, o grupo de 40 pessoas é a resposta.

E para termos mais líderes ou executivas pretas, o que fazer? Não há mudança simples nem óbvia. Poderia dizer que precisamos ter acesso às universidades (viva a lei de quotas!), aprender inglês, programação, e acessar excelentes empregos, seja na NASA, no Google, no Facebook, no Itaú. Essa receita vale para uma parcela de jovens, apenas.

Mas, a mudança real e em escala é mais profunda. Passa por cuidar do nosso povo, que crianças tenham comida e escola de qualidade. Que balas perdidas e “pele alvo” sejam passados. Rafaelly, Juan, Maria Eduarda, Ester, Jhenyfer, Lohan, Yan, Dijalma, Thiago e Eloah, peço licença para falar de sonhos aqui. Os seus foram covardemente interrompidos.  

Não podemos aceitar nos restringir a sermos jogadores de futebol e artistas. Há muitas outras possibilidades, médico, astronauta, ministra, empreendedora. É nossa responsabilidade, como sociedade, zelar pelos desejos de quem está apenas começando ou quer uma oportunidade para recomeçar.   

A sala dos 40 pretos é, sem dúvida, importante, mas ainda simbólica. A gente não quer ser token, a preta de estimação, nem boi de piranha. Não podemos nem vamos parar. Não enquanto turmas como essa são tão comuns quanto a fila do ônibus. E isso para todos que necessitam de nós, seja você mulheres, pessoas trans, com deficiência.

Para quem cruzou a ponte e ocupa lugares de poder, compartilhar as experiências e ensinar o caminho das pedras é fortalecer a caminhada de todo um povo, cujo poder foi tomado sistematicamente. 

Fique atento, irmão! Fique atento! Diria Criolo. Temos uma chance real, como lideranças negras, de ensinar o que a escola não ensina. De pegar pela mão quem está começando, quem tem um sonho e não é vista. Porque para multiplicarmos as possibilidades para milhões de outros guris e gurias, centenas de milhares de salas de aula precisam ser ocupadas com histórias e potências pretas.

Colunista: Juliano Pereira

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