Ativista lança livro de memórias da pandemia

Por: Jéssica Moreira, Nós, Mulheres da Periferia

‘Diário de Isolamento’ reúne relatos, poemas e crônicas que refletem a realidade de mulheres da periferia

A escrita é uma forma de materializar sentimentos e um ato de coragem, diz a escritora, professora de História e ativista Joice Aziza, autora de Diário de Isolamento (Selo Dandaras, da Editora Feminas). O livro foi lançado no início de maio na Casa de Cultura Marielle Franco, em Franco da Rocha, na Grande São Paulo. Em 72 páginas, misturam-se poemas, crônicas e relatos sobre como a pandemia de covid-19 atravessou a vida, os sentimentos e a trajetória de mulheres periféricas.

Nascida e crescida em Caieiras, município da Grande São Paulo, Joice sempre encontrou refúgio na escrita. As primeiras leituras não foram nada óbvias para uma criança. Sua mãe costumava deixar livros no banheiro e foi ali que ela leu as primeiras histórias: livros de Sidney Sheldon e Agatha Christie.

Ao vencer um concurso de Literatura no Ensino Fundamental, Joice sentiu que a palavra aumentava sua autoestima, fazendo-a se sentir mais potente, ainda que em meio aos desafios de ser uma menina negra na periferia. “Essa medalha de honra ao mérito recebida no Memorial da América Latina foi bem significante, porque eu fui a única da escola aqui da Vila Rosina [bairro de Caieiras]”, conta a autora.

História e poesia — Neste livro de estreia, Joice lembra que é possível narrar um período histórico também por meio da poesia, como bem faz no primeiro dia de confinamento:

Da janela contemplo o fim da tarde emoldurada numa obra de arte, pensativa e interrogativa: Como serão as próximas tardes? Terão cores? Ou apenas cinzas? Desejos de uma pandemia rápida e de poucos estragos (Joice Aziza)

O relato é pessoal, mas conectado à realidade de outras mulheres negras e periféricas. Os escritos trazem traços de quem utiliza a literatura também para ampliar o conhecimento e registrar fatos que ocorrem no cotidiano como parte da História oficial.

Caieiras, 21 de abril de 2020 #FICAEMCASA 8h – Ficar em casa agora é privilégio. Muitos brasileiros não estão conseguindo se manter por muito tempo em seus lares. É arriscado sair. Mas ficar em casa para a periferia é uma questão dúbia. Ou morre-se de covid ou de fome (Joice Aziza)

A escrita de Joice Aziza é um punho fechado em uma mão e uma flor na outra. Seus relatos vão desde um amor que se findou em meio à crise sanitária à saudade de dançar em uma roda de jongo.

São crônicas que poderiam ser notas jornalísticas, todas olhadas pela fresta de uma janela periférica, mas são também versos profundos em poemas curtos, a depender do dia e dos sentimentos que a atravessaram na escrita do livro.

Testemunho

“O diário fala de educação. Não tem jeito. Ele passa por situações dos alunos ou questionamentos de dentro da sala de aula”, conta Joice, que faz questão de salientar que o livro traz suas várias vertentes enquanto educadora, ativista e escritora.

Em alguns dos textos, a escola pública e os debates em torno dela durante a crise sanitária também aparecem com força e contexto, relembrando capítulos marcantes de discussão sobre a volta às aulas.

Além disso, Joice narra como foi de fato voltar para dentro das salas de aula em modelos híbridos e no chamado novo normal, que exigiu extensos protocolos de segurança e adaptação, tanto por parte dos estudantes, quanto dos profissionais de educação.

Poder da literatura

Para a escritora, essa obra é também sinônimo de resistência, já que, a partir dela, percebeu que pode reunir seus conhecimentos e suas várias versões em um livro. “A literatura tem a possibilidade de descobrir as várias vertentes de Joice. É algo que me faz reviver e rever a minha existência. Foi por meio dela que eu descobri que tipo de mãe eu sou”, diz.

Quando Joice iniciou os escritos, não imaginava que eles resultariam em um livro. Foi em uma transmissão online que uma amiga deu essa dica, o que rapidamente fez sentido à autora.

Uma das inspirações foi a escritoraCarolina Maria de Jesus, de Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada. “Eu, de fato, não consegui ler o Quarto de Despejo de Carolina, porque ele é muito pesado e me lembra histórias que a minha família contava. Eu já tentei fazer essa leitura duas vezes”, admite. Mesmo com essa dificuldade, Joice entendia a importância dos diários de Carolina e quão potente poderia ser reunir suas ideias e pensamentos em um formato semelhante. Em casa, as únicas vozes que ouvia eram as que estavam ao redor: sua família e também o coletivo de poesia que integra, o Flores de Baobá.

“Tenho ciência que é necessário escrever um diário, porque geralmente homens fazem diário e são validados, mas mulheres quando escrevem diário parece que vão escrever sobre romantismo. Não teria nenhum problema, ele é romântico também, mas eu não tive essa intenção. fui um pouco mais dura.”

Mesmo os textos que falam sobre amor, são altamente políticos, com contextos que demonstram o cenário periférico e seus desafios, como o fim de um relacionamento amoroso por conta do isolamento social.

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