Bill Cosby vai a julgamento. Por que seu caso é tão simbólico

O comediante americano Bill Cosby começou a ser julgado nesta segunda-feira (5), depois de quase 60 mulheres virem a público, entre 2000 e 2015, com denúncias de abuso sexual contra ele.
O julgamento deve durar duas semanas no Estado da Pensilvânia, onde o comediante reside, e pode resultar em até dez anos de prisão para Cosby, além do pagamento de uma multa de U$ 25.000.
Apesar da enxurrada de denúncias, o comediante responde, neste julgamento, a apenas um caso, em que é acusado de ter drogado e abusado da ex-atleta Andrea Constand em 2004.
Constand prestou queixa contra o comediante um ano depois, e se tornou uma das primeiras mulheres a acusá-lo publicamente (a primeira queixa formal havia sido prestada em 2000, por Lachele Covington, mas a Promotoria decidiu que nenhum crime havia sido cometido).
A denúncia de Constand é a única que pode levá-lo à prisão – muitas das mulheres que afirmam ter sido estupradas ou assediadas por Cosby não registraram queixas formais, provavelmente pelas mesmas razões que levam os crimes de violência sexual a estarem entre os mais subnotificados: culpa, vergonha e medo, por parte da vítima de ser desacreditada, ainda mais ao colocar sua palavra contra a de um homem rico e famoso.
Há ainda, entre as dezenas de denúncias, acusações muito anteriores ao caso de Constand: mulheres que afirmam terem sido abusadas por Cosby nas décadas de 1960 e 1980. Elas vieram a público na esteira das denúncias dos anos 2000.
Cosby nega todas as acusações de abuso sexual e estupro e chegou a processar algumas das mulheres por difamação – mas voltou atrás em 2016. Ele admite ter mantido relação sexual com Constand, mas diz ter sido consensual.
As circunstâncias do caso
Andrea Constand era funcionária do departamento atlético da Universidade Temple, na Filadélfia, na época em que afirma ter sido estuprada pelo comediante. Cosby fazia parte do conselho da universidade. No encontro entre os dois, ela buscava ajuda profissional.
À polícia Constand relatou que Cosby insistiu para que ela tomasse uma taça de vinho com comprimidos que a imobilizaram, impedindo-a de se mexer ou falar. Segundo ela, o comediante então a deitou no sofá, tocou sua genitália e a penetrou com os dedos.
Em 2005, quando a acusação foi feita, Cosby admitiu, em um depoimento, fazer uso de Quaaludes (uma droga de efeito sedativo muito usada recreativamente nos EUA nos anos 1970) durante as relações sexuais.
Ele afirmou que oferecia comprimidos às mulheres junto com bebida para encorajá-las a relaxar, e não com o objetivo de deixá-las sem defesa, segundo a “BBC”.
No depoimento, Cosby usou o seguinte argumento: se elas haviam concordado em se encontrar com ele para conversar, ele tinha direito às investidas, informou uma reportagem de 2015 da “New York Magazine”.
Semelhanças entre as denúncias
As histórias das dezenas de mulheres que denunciaram Cosby desde 2000 guardam muitas semelhanças com a de Constand: as vítimas eram mulheres muito mais jovens do que ele, frequentemente com carreiras incipientes no ramo do entretenimento.
Segundo as acusações, o pretexto dos encontros normalmente era um aconselhamento profissional, em que Cosby se comportava como mentor, e o uso do “Boa noite, Cinderela”, oferecido abertamente ou colocado furtivamente em uma bebida, possibilitando que ele as tocasse em locais inapropriados ou as estuprasse.
A hipótese mais provável é que parte delas tomava os comprimidos sem saber, e as que sabiam ignoravam os efeitos da droga, aceitando-a por pressão de Cosby. Os promotores do caso pediram autorização para que outras 13 mulheres, além de Constand, pudessem testemunhar, no tribunal, confirmando o padrão do abuso seguido por Cosby.
Uma lei do Estado da Pensilvânia permite que vítimas de violência sexual testemunhem contra seus agressores em outros casos mesmo que suas próprias acusações não estejam em um processo formal.
Depois de uma objeção por parte da defesa do comediante, a Justiça permitirá que apenas uma das 13 mulheres testemunhe ao lado de Constand.
Por que as mulheres só foram ouvidas em 2015
A denúncia de Constand, de 2005, e das outras mulheres que surgiram, foram encaradas com ceticismo. Só em 2014, quando um vídeo de um stand-up do comediante Hannibal Buress, em que Buress chamava Cosby de estuprador, viralizou, é que as denúncias atingiram maior proporção.
No ano seguinte, 35 mulheres estampavam a capa da “New York Magazine”, contando suas histórias pessoais de abusos cometidos pelo comediante. “Houve uma mudança maior nos últimos anos para mulheres que alegam terem sido estupradas do que em todas as décadas desde que o movimento de mulheres teve início”, dizia o texto da reportagem.
Nos anos 1960, quando teriam ocorrido os primeiros abusos de Cosby, o estupro ainda era visto como um crime que só poderia ser cometido por desconhecidos – a lei não reconheceria como tal um ato de alguém que era parte do círculo da vítima.
Nas décadas seguintes, segundo a revista, movimentos em universidades começaram a aumentar a consciência sobre o fato de que a maioria dos agressores são pessoas conhecidas, mas a cultura do silêncio ainda persistia.
“Entre as mulheres mais jovens, e especialmente on-line, há uma forte sensação hoje de que falar [do abuso] é a única coisa a se fazer, que a afirmação da mulher como vítima é mais poderosa do que qualquer arma na luta contra o estupro”, diz a reportagem de Noreen Malone para a “The New York Magazine” de julho de 2015.
A questão racial e a defesa
A estratégia de defesa dos advogados de Cosby se baseia na afirmação de que a relação mantida com Constand foi consensual e que ela havia feito visitas prévias à casa dele, mostrando intimidade entre ambos. A defesa também deve explorar o fato de que a fortuna de Cosby seria um chamariz para as acusações, na tentativa de conseguir indenizações.
O fato de Cosby ser negro e a maioria das mulheres que afirmam serem suas vítimas, brancas, também é um componente da disputa de versões. Tanto o comediante quanto sua filha Ensa Cosby afirmaram, em declarações recentes, que motivações racistas estão por trás das acusações.
Há, além disso, críticas ao fato de que Cosby estaria recebendo um tratamento desproporcional em relação a artistas brancos que foram alvo de suspeitas de abuso, como Woody Allen e Charlie Sheen.

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