Brasil: O país da miscigenação romantizada
POR NAJARA COSTA
Há uma visão romantizada sobre a miscigenação entre brancos, negros e indígenas, que perpassa o senso comum com raízes inclusive no meio acadêmico, como na obra “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre, publicada em 1933, em que conflitos raciais na nação brasileira seriam inexistentes, já que nesta visão a escravidão teria sido mais humana e suportável.
O termo “raça” até então utilizado como subdivisão da espécie humana em uma perspectiva equivocadamente retirada da biologia, é substituído na obra do autor pernambucano pelo
termo “cultura”. Ainda que Freyre não tenha forjado propriamente o conceito sobre o “mito de uma democracia racial”, este fora intensamente propagado a partir da narrativa traduzida por esta publicação, capaz de criar intensas distorções na leitura das relações raciais no Brasil.
A visão crítica acerca de uma contra narrativa sobre este mito de democracia racial sempre existiu no âmbito da atuação dos movimentos negros, mas, firma-se academicamente na década de 1950, a partir de estudos patrocinados pela UNESCO. Esta investigação, capitaneada pelo sociólogo Florestan Fernandes, tentava entender o “sucesso” da harmonia das relações raciais no Brasil após séculos de escravização. É importante destacar que neste contexto de pós-guerra, o mundo buscava estratégias para a contenção de conflitos étnico-raciais em razão especialmente do holocausto na Alemanha a partir do regime nazista que, justificado na raça, dizimou milhares de vidas.
Ocorre que, como resultado, a pesquisa promovida pela Unesco concluiu que o Brasil se constitui como uma nação com problemas raciais profundos, mas que, diferente de outros países, não fala abertamente sobre o assunto, fato que Fernandes definiu como um povo com “preconceito de ter preconceito”. Enquanto um marcador social da diferença o racismo no Brasil nivela pessoas pelo fenótipo atrelado à ideia de raça e promove aos indivíduos brancos privilégios sociais em detrimento da negação de oportunidades sociais aos negros e indígenas. Racismo que retira a dignidade da pessoa humana e permite cotidianamente que a maior parcela da população, formada por negros, tenha expectativa de vida e salário menor que brancos e esteja muito mais exposta à violência policial. Atrelado ao gênero, mulheres negras enfrentam ainda maiores taxas de feminicídio e até violência obstétrica.
O Brasil, de formação colonial e intensa exploração, última nação no mundo moderno a abolir a escravidão, persistiu no pós-abolição numa lógica racial como instrumento de dominação e a luta política antirracista reconhece a centralidade da raça na formação do país e na exclusão social.
Nesse sentido, destaca-se: aqui não há cordialidade, nunca houve!
O mapa da violência é nítido neste ponto, portanto, o avanço de medidas antirracistas é urgente e indispensável à nossa democracia.