Carrefour fecha acordo e paga a maior indenização envolvendo caso de racismo da América Latina

Mais de 100 milhões de reais. Esta será a quantia que o grupo Carrefour se comprometeu a pagar na ação que corria no Ministério Público por conta da morte de João Alberto, ocorrida de 19 de novembro de 2020, em uma de suas lojas em Porto Alegre.

Foi uma longa caminhada de muitas discussões, pressões e debates que envolveram a empresa, a sociedade civil e o Ministério Público. Os debates se deram não só por conta das cifras envolvidas, mas também sobre as ações reparatórias que o grupo se comprometeu a implantar, entre elas, um fundo de 40 milhões de reais para o combate ao racismo estrutural da sociedade brasileira.

Nos últimos sete meses, várias ações foram implementadas pela empresa. Entre as mais significativas, a internalização da segurança em suas lojas e a mudança para uma cultura antirracista nos contratos de seus milhares de fornecedores.

Em entrevista exclusiva à Revista RAÇA, dois dos principais personagens desses meses de embate: de um lado Frei David – Educafro representante da sociedade civil; de outro lado Noel Prioux, CEO do grupo Carrefour. Eles falaram desse dia histórico para a luta antirracista no Brasil e no mundo.

Frei David

O que significa este acordo de hoje pro senhor? Como é que o senhor vê esse acordo que foi tão difícil, tão custoso pra todos nós?

Esse acordo simboliza a evolução inicial, mas firme, do mundo empresarial brasileiro. Nós entendemos que o mundo empresarial brasileiro é muito retrógrado, agora com essa postura do Carrefour. Assinando esse termo de ajuste de conduta e garantindo a indenização ao povo negro, será um marco que vai sinalizar positivamente para o conjunto das entidades empresariais do Brasil, mostrando pra elas que a injustiça não vale a humilhação ao povo negro, não vale a exploração do povo negro, não vale a pena; portanto, ser justo, ser honesto, pagar indenização no direito, na justiça, brilha mais para a empresa e faz a empresa ganhar mais clientes e ser mais respeitada.

Frei, são 115 milhões, parece muito, mas, às vezes, não é muito para os problemas cruciais do racismo no Brasil. Como o senhor acha que deve e como será aplicada essa indenização para a comunidade negra do Brasil?

Realmente, 115 milhões eu considero a maior indenização civil pública da América Latina dos tempos modernos, mas ao mesmo tempo 115 milhões não é nada para os problemas que o povo negro está atravessando, de modo que entendemos que nós estamos agora nos tratos finais para dividir como serão aplicados esses 115 milhões. Como sou uma pessoa do mundo da Educação, eu vou lutar para que grande parte dessa verba seja destinada para a Educação. Porque Educação gera transformação, Educação dá autonomia, Educação dá poder, Educação dá igualdade, possibilidade de igualdade com a classe dominante, com a classe dirigente do país e nós queremos ser também participantes ativos igualitários com equidade da classe dirigente do país.

Frei, o senhor sofreu muito quando começou a questionar, entrou no Ministério Público, e houve muitos que criticaram a sua atitude de ir pra cima, de questionar e depois negociar. Como é que o senhor vê isso tudo, todas as pressões que o senhor sofreu, que a Educafro sofreu por estar sentando na mesa de negociações e exigindo que fosse paga essa reparação?

Jesus Cristo, São Francisco, Marielle, Zumbi dos Palmares, Luther King, Nelson Mandela sofreram muito mais, todos eles tiveram foco, foram iluminados pelo Espírito de Deus, foram iluminados pelos espíritos ancestrais, todos foram dominados por sã consciência de prestar serviço ao povo se abstendo de si mesmos, de interesses próprios e servir a uma causa e essa é a fórmula de sucesso desses grandes homens. Portanto, o que fiz, o que eu sofri, o que fui perseguido não é nada frente ao que fizeram essas pessoas, o que sofreram, eu me sinto confortavelmente com energia pra fazer mais ações em prol de um Brasil melhor.

Como o senhor acha que vai ficar agora a luta racial nas empresas, depois dessa indenização que o Carrefour pagou?

Nós entendemos que as empresas precisavam de uma cartilha eficiente, clara, objetiva, verdadeira e focada. Tudo aquilo que o Carrefour aceitou a partir da ação civil pública, a partir do Ministério Público Federal, do Ministério Público Estadual, da Defensoria Pública da União e do Estado, a partir da Educafro Brasil, do Centro de Direitos Humanos Santo Dias, da Arquidiocese de São Paulo, tudo isso gerou um elemento novo e daqui pra frente vai ser impossível as empresas que erram no racismo estrutural, as empresas que fazem esses funcionários humilharem o povo negro, terão agora um elemento básico para balizar as punições. Era tudo que nós queríamos ter: um elemento básico para dar rumo às punições e sair da mão do Judiciário injusto. O Judiciário brasileiro sempre foi cruel em punir brancos que oprimiam negros, sempre votava a favor dos brancos ou a punição era branda para os brancos, não permitindo reparar as verdadeiras cicatrizes que os brancos geram nos negros com seus racismos estruturais, recreativos, racismo individual; portanto daqui pra frente todas as empresas vão se espelhar na coragem e na abertura do Carrefour de fazer o que tem que ser feito. Lógico, nós todos queremos muito mais, mas entendemos que foi o possível depois de muitas e muitas negociações, foi o possível o valor a que chegamos com o compromisso da empresa Carrefour frente à realidade dos negros brasileiros. Queremos, portanto, contar com o Carrefour, para a conscientização das demais empresas e, principalmente, todas as empresas que estão na bolsa de valores, como o Carrefour.

Noel Prioux

Noel, o que significa a assinatura deste TAC no dia de hoje para o Grupo Carrefour? 

A assinatura deste Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Rio Grande do Sul e outras autoridades e entidade reforça o nosso compromisso e engajamento na luta contra o racismo no Brasil. O Grupo Carrefour Brasil sempre teve políticas claras contra qualquer tipo de discriminação, mas vimos que precisávamos ir além e adotamos uma postura antirracista. Este é um grande momento para nós e este acordo vem para ratificar as ações que já vínhamos colocando em prática desde novembro, quando assumimos 8 compromissos públicos.

Com essa assinatura e  com as intenções realizadas à família de João Alberto Freitas, esta será a maior indenização paga até hoje no Brasil em um processo envolvendo racismo. Como gostaria de ver esse dinheiro investido?

Desde o ocorrido em novembro, nós começamos a atuar em três principais frentes: reparo à família, mudanças internas e compromissos com a sociedade. O primeiro deles, a indenização a todos os familiares de João Alberto Freitas, foi concluído agora em maio. No segundo ponto, estamos avançando nas mudanças internas, com a nova política de tolerância zero, que balizou a revisão da nossa política de diversidade, a internalização dos agentes de fiscalização, que deve ser finalizada até outubro deste ano, treinamentos em letramento racial para todos os nossos colaboradores, entre outras ações. E, por fim, nos compromissos com a sociedade, lançamos no final de maio três editais para apoiar organizações e coletivos que promovam equidade racial e o empreendedorismo negro.
A assinatura do TAC é mais um passo nesta terceira frente de compromissos com a sociedade. Nosso maior objetivo com este acordo, que vem para complementar o que já estamos fazendo, é, principalmente, gerar mais oportunidades e aumentar a empregabilidade de negros e negras no Brasil. 

Que lições você acha que o grupo Carrefour tira deste episódio? 

O mais importante que aprendemos é que sempre precisamos estar olhando para dentro das empresas, revisitando nossas políticas e treinamentos para ver onde estamos errando e como podemos melhorar e aprimorar o que temos. Este caso trágico de Porto Alegre foi um aprendizado muito grande para nós, pois vimos que o que fazíamos contra o racismo ainda não era suficiente. Adotamos uma postura antirracista e estamos trabalhando e investindo para contribuir para que a sociedade possa evoluir no combate ao racismo e diminuir a igualdade racial no Brasil. 

O slogan ” Não vamos esquecer” adotado pelo grupo Carrefour significa que a luta contra o racismo  de vocês vai continuar muito além desta indenização? 

A assinatura deste acordo não é um ponto final, pelo contrário, faz parte de um processo que começamos em novembro de 2020 e que não vamos parar mais. O Carrefour vem sendo pioneiro na adoção e implementação de muitas medidas para combater o racismo e queremos liderar com outras empresas este movimento para acabar com a desigualdade racial no Brasil, por meio da sensibilização e treinamento de nossos colaboradores, ações afirmativas, investimento em educação, entre outros. 

O que você diria para os negros e negras do Brasil neste dia histórico?

O que aconteceu em novembro foi um dos momentos mais tristes para nós, comovendo não só o Carrefour, mas toda a sociedade. Foi um choque, de fato e, desde então, estamos trabalhando para contribuir na luta contra o racismo, para ajudar negros e negras a ascenderem em suas carreiras, a terem acesso à educação. Tudo isso é um movimento e um compromisso nosso de longo prazo para contribuir com esta luta tão importante e ajudar a acabar com a desigualdade que temos hoje no Brasil.

Entenda mais sobre esse dia histórico

Porto Alegre, 11 de junho de 2021 – O Grupo Carrefour Brasil fechou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, outras autoridades e as entidades Educafro e Celso Dias. Através deste Termo, o Grupo reafirma seu compromisso irrevogável de lutar contra o racismo e a atuar como um agente de transformação da sociedade. Passados poucos mais de seis meses do ocorrido, além da celebração do acordo, o Grupo já indenizou todos os membros da família da vítima, reformulou o modelo de segurança nas lojas e colocou em prática os demais compromissos assumidos publicamente desde novembro para combater o racismo e promover a equidade.

As ações já iniciadas pelo Grupo Carrefour Brasil e confirmadas pelo acordo têm como foco a promoção da educação, do empreendedorismo e o desenvolvimento de projetos socioculturais, com a finalidade de combater o racismo estrutural no Brasil. O acordo estabelecido tem validade de três anos e prevê a ampliação do fundo criado pelo Grupo em novembro 2020 de R$ 40 milhões para R$ 115 milhões.

A maior parte do investimento será destinada às causas sociais, especialmente em bolsas de educação e qualificação profissional, empreendedorismo de pessoas negras e projetos socioculturais, além de campanhas educacionais. Todas as ações serão amplamente divulgadas e verificadas por uma auditoria externa.

“O Termo assinado não reduz a perda irreparável de uma vida, mas é mais uma medida tomada com o objetivo de ajudar a evitar que novas tragédias se repitam. Com este novo passo, o Grupo Carrefour Brasil reforça sua postura antirracista, ampliando sua política de enfrentamento à discriminação e à violência, bem como da promoção dos direitos humanos em todas as suas lojas”, afirma Noël Prioux, Presidente do Grupo Carrefour Brasil.

As iniciativas confirmadas pelo TAC

Um dos destaques são as ações voltadas para educação. Boa parte do recurso financeiro será destinado à concessão de bolsas de estudos para pessoas negras, de nível superior e de pós-graduação. Haverá ainda bolsas voltadas para a aprendizagem de idiomas, inovação e tecnologia, com foco na formação de jovens profissionais para o mercado de trabalho. Ao todo serão mais de 10 mil bolsas.  “Entendemos ser necessário o investimento em bolsas de estudos com a finalidade de gerar mais oportunidades e aumentar empregabilidade das pessoas negras”, afirma Cristiane Lacerda, diretora de Desenvolvimento Humano do Grupo.  

O plano de ações ainda conta com a promoção do empreendedorismo entre pessoas negras e aceleração de empresas. Há ainda a implementação de política de Tolerância Zero, treinamento contínuo de todos os profissionais que atuam no Grupo Carrefour Brasil em relação a letramento racional e ao combate de todo o tipo de discriminação e violência, bem como o fortalecimento do canal de denúncias. Todas as três ações já em implementação na Companhia.

Outro compromisso ainda destaca a necessidade de se contratar pessoas negras, sendo 30 mil no período de três anos, a fim de contribuir para o quadro de diversidade racial da Companhia. Vale destacar que hoje 64% dos profissionais do Grupo Carrefour Brasil se declaram negros ou pardos. O Grupo também terá um programa de estágio e de trainees voltados para negras e negros e ainda pretende acelerar a carreira de 300 profissionais negros e negras que já atuam na companhia, como forma de contribuir para que eles ascendam à liderança.

Na parte de segurança, o Grupo optou por internalizar a segurança interna, também chamada de agentes de prevenção. Foram mais de 600 profissionais contratados, que se destacam por representar a diversidade da população brasileira quanto ao gênero e raça. Eles serão continuamente treinados com foco em acolher o cliente e proporcionar a melhor experiência nas lojas do Grupo.

Combater o racismo é um tema que precisa ser prioridade de todos e o Grupo Carrefour Brasil quer atuar neste contexto como um agente de transformação da sociedade. Para ter acesso à integra do Termo de Ajustamento de Conduta, bem como acompanhar os compromissos assumidos pelo Grupo Carrefour Brasil, acesse o site Não Vamos Esquecer, que reúne todas as ações e avanços da empresa na luta do combate ao racismo: https://naovamosesquecer.com.br/.

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