Como jovens talentos promovem grandes mudanças na área de inovação
Por Isadora Santos
A inclusão e o reconhecimento do trabalho de mulheres negras na tecnologia é um movimento que busca quebrar estereótipos de raça e gênero
Pessoas negras também detém conhecimento sobre a tecnologia e estão realizando trabalhos realmente transformadores para o futuro do setor e benefício da população. Maitê Lourenço é uma das atuais referências sobre o assunto no país, CEO e fundadora da BlackRocks Startups, aceleradora de startups lideradas por pessoas negras, Maitê figura entre as principais profissionais que estão contribuindo com a chegada de pessoas negras no mercado de tecnologia.
O levantamento #QUEMCODABR realizado entre novembro de 2018 e março de 2019, pelo PretaLab em parceria com a Thoughtworks coletou informações de 693 respondentes para traçar o perfil dos profissionais de tecnologia do Brasil. A pesquisa mostra a predominância de homens jovens, brancos e de classe média e alta que começaram a carreira através da educação formal para qualificação na área de tecnologia. Eles representam 58,3% desse número.
Aos 26 anos, Georgia Bento, lidera o Programa Afroya de Lideranças Negras em Tecnologia e Inovação. A redação de Raça bateu um papo interessante com a jovem resolveu levar seu talento para tecnologia com o propósito de promover mudanças estruturais.
Raça: Existem mulheres negras trabalhando com tecnologia, inclusive impulsionando que outras sigam esse caminho. Como seu trabalho nesse segmento começou?
Georgia Bento: Eu acho que tenho uma história legal com a tecnologia. Sou musicista de formação inicial, percussionista erudita, me formei na Escola Livre de Música da UNICAMP, e na tecnologia foi onde verdadeiramente encontrei espaço para minha criatividade, então migrei efetivamente em 2019. Fiz uma incubação na Fatec aqui de Campinas, no curso que chamava Escola de Inovadores, era um curso voltado para inovação e empreendedorismo.
Na tecnologia eu não sou o perfil técnico, sou perfil de negócios. Eu acho legal a gente ter esse papo porque a tecnologia tem muitos braços, então tem o pessoal da UX, UI que são designers, tem os programadores e entre eles tem o pessoal que faz a parte da frente, tem o pessoal que faz a parte de trás (Back-end e Front-end), tem o pessoal que tá mais focado em dados, outros que abordam inteligência artificial. É um mundo inteiro quando a gente fala tecnologia e aí parece que sabe de tudo. Eu, inclusive, há 14 anos participava do Comitê de Democratização da Informática que é o CDI, eu fiz uma formação de Educadora das EIC (Escola de Informática para Cidadania) que eram escolas de informáticas para comunidade. Meu flerte com a tecnologia é antigo, desde 2007. E depois me enveredei para o mercado musical, então fiquei bons anos atuando como musicista, fui para Federal de Pelotas, estudei Antropologia Cultural da Música e aí minha conexão com a tecnologia eu acho que se deu muito pelo movimento de São Paulo, das pessoas começarem a debater tecnologia e inclusão e eu tive a felicidade de estudar Transformação Digital na IBM, eu estava vinculada a uma ONG, uma associação de Paris, e a gente pensou como se combate a xenofobia por dados e essa ideação me possibilitou participar do São Paulo TechWeek, que foi o maior evento de inovação e tecnologia do mundo em 2019. Foi um pouco desse caminho que me propôs começar a falar sobre diversidade e inclusão e, principalmente, inovação pensando não só na tecnologia, em ganhar dinheiro, mas pensando também no formato mais social, em mudar a vida das pessoas com a tecnologia.
Ano passado, fiquei mais próxima por meio da minha atuação em eventos trazendo mais debates sobre inovação, sobre a presença de pessoas negras, falando sobre diversidade racial e esse ano estou gerenciando o Programa de Formação de Lideranças Negras pelo Afroya Tech. Esse ano estou tendo a felicidade de poder colocar em prática algumas coisas que eu já estava trazendo sobre pensarmos tecnologia de outro lugar, pensar diversidade racial e hoje em dia formar e desenvolver, porque nem todos a gente tá pegando em fase inicial tem pessoas que são líderes, mas a gente tem esse gap muito grande, têm lideranças que nunca fizeram cursos para se tornarem líderes, mas você fala “vai lá e faz, se vira aqui, acho que você tem um ótimo perfil, vai e se joga”. Então são duas linhas que trabalhamos, tanto para fomentar nosso ecossistema, como também para quando as empresas falarem “A gente não contrata porque não tem pronto”, nós dizermos “Então tá, tem pronto! Qual a justificativa agora? Porque você estava falando até agora que vocês não conheciam, agora a gente vai apresentar e a gente já fez a formação dos profissionais. Então você vai ter que dar uma outra desculpa porque não conheço nenhuma, conheço vários líderes com formação e posso trazer aqui 20 pessoas para você hoje”.
R: A imagem que temos é que o trabalho na tecnologia é algo distante de pessoas negras e como consequência a formação acaba acontecendo depois que começam a exercer atividade profissional na área. Como é possível mostrar que essa é também uma possibilidade?
GB: A gente criou tão forte esse estereótipo desse homem branco, computeiro (sic) que a gente fala, que a gente não se pensa. Olha a gama de profissões que existem dentro da tecnologia, eu sou da área de inovação, vou ficar pensando em qual que é o problema, porque estudei antropologia cultural, me aproximo muito desse pessoal que faz pesquisa dentro da área de experiência do usuário, eu tento entender o que são os problemas e quais são as dificuldades do usuário e penso inovação ou penso inovação para negócios.
A gente fica muito preso, sem compreender esse mercado e precisamos pensar o racismo que existe, porque não é à toa que a gente não entende. Com o AfroyaTech a gente tem trazido muito isso, nos questionam porque o primeiro grande programa foi criado para gerar líderes. É porque a gente precisa mudar. A base, a gente já está mudando, é comum existir programa para estagiário, então vamos colocar aqui em cima agora e essas pessoas de cima também vão trazer gente preta e é isso que a gente está propondo, inclusão através das lideranças.
R. Você acha que deve existir uma formação para pessoas brancas, para que elas entendam seu lugar de responsabilidade na luta antirracista?
GB. Exato, senão a gente fica sempre colocando o racismo como problema de pessoas negras e na verdade não é. É totalmente importante que a gente faça esse debate, inclusive, vou citar Cida Bento aqui, porque a gente fala muito da herança da escravidão para pessoas negras e a gente não fala da herança da escravidão para pessoas. Provavelmente se você tem uma herança no Brasil, sendo que a abolição da escravatura oficialmente aconteceu em 1888, significa que ela foi feita durante o período de escravização de negros. É muito importante que a gente tenha esse debate e que consiga falar de pessoas brancas sobre branquitude.
R. Você tem outros projetos para o futuro?
GB: Tenho muitos outros projetos futuros. Tenho pensado bastante em produzir algumas coisas em realidade virtual e aumentada nesse período de férias, no intervalo entre uma turma e outra no AfroyaTech.
R. E a música, você pensa em voltar para a área?
GB: Estou bem focada em tecnologia, primeiro porque eu me reconheci muito, achei que era um local que eu podia expandir muito em criatividade, e depois porque eu entendi o impacto que eu podia gerar com meu trabalho, mais ou menos o trabalho que eu fazia como educadora musical, hoje em dia eu faço na liderança de tecnologia. Então foi um passo e eu acredito que seja o momento de aproveitar o que está acontecendo na tecnologia e falar sobre a necessidade diversidade racial na área. Em algum momento talvez eu volte a olhar com um pouco mais de carinho para o mercado musical. É aquele amor que sabe que pode esperar que a gente volta.
Fotos: Acervo Pessoal