Confira a entrevista com Lázaro Ramos
Veja o que disse o ator Lázaro Ramos em entrevista à Raça Brasil
TEXTO: Sandra Almada | FOTOS: Jorge Bispo e TV Globo/ João Miguel Junior | Adaptação web: David Pereira
Sete e trinta da manhã. Estamos no carro de Lázaro Ramos em uma das ruas principais do bairro do Humaitá, no Rio de Janeiro, onde o artista mora. Aproveito que estamos parados em um sinal de trânsito para brincar com o ator e me referir ao horário em que a entrevista foi marcada: “Horário acintoso”, digo-lhe. Lázaro, em resposta, dá uma gargalhada divertida e se desculpa com o mais simpático dos sorrisos. Aproveita também para fazer um comentário espirituoso. “Poxa, o trânsito está bom, vamos chegar rápido ao Projac”, prevê, rindo mais uma vez. “Por favor, não torça por isso”, exclamo apreensiva. “Preciso ter tempo para, até chegarmos lá, terminar esta entrevista.” “E ainda por cima tenho que dividir a atenção de Lázaro com a direção do automóvel. Será que vai dar certo?”, questiono, em silêncio.
Foi dessa forma inusitada que RAÇA BRASIL conseguiu realizar uma deliciosa e inteligente entrevista com ele que é considerado um dos atores mais talentosos de sua geração.
Veja trechos da entrevista de Lázaro Ramos para a Raça Brasil
Você acha que o racismo no Brasil ainda é uma questão perigosa, cuja discussão pode trazer problemas para as pessoas?
Eu acho o seguinte na condição de pessoa pública: toda vez que eu for falar sobre este assunto, quero estar muito bem embasado. Ler o que se escreveu sobre o assunto, falar com quem já tratou do assunto. E o Espelho (Programa dirigido, produzido e apresentado por Lázaro no Canal Brasil) é um artifício para isto, porque há muitas pessoas que me alimentam pra eu falar com embasamento. Não dá mais para falar só com o sentimento. É claro que eu, como artista, como ator, falo com sentimento. A tendência é falar sobre o que sinto, o que eu passei, o que aconteceu com a minha família. Mas há estudos sobre isto, é há muito a se estudar sobre este tema. E eu, hoje, como figura pública, sinto que tenho que estar bem informado.
Ainda falando sobre imprensa, meios de comunicação e racismo, me lembrei de uma entrevista realizada por você no Espelho na qual a sua expressão facial me chamou muito a atenção. O entrevistado era de fato polêmico: Ali Kamel, autor do livro Não somos racistas. Você pode me dizer se minha impressão sobre uma não aceitação sobre o ponto de vista do entrevistado pairou, de fato, durante a entrevista?
(Risos) Nas minhas entrevistas do Espelho eu não me sinto obrigado a ter uma postura isenta, de jornalista. Procuro respeitar quem está ali falando; deixar a pessoa falar. Faço isto com meu melhor amigo, o Vagner (Moura), durante a entrevista, como faço com uma pessoa que nunca vi antes na vida, nunca tive oportunidade de entrevistar, como aconteceu com a Miriam Leitão, de quem conhecia o trabalho, mas não a conhecia pessoalmente. Como fiz também com o Ali Kamel, que pode falar coisas das quais eu discordo, já que eu acho que um programa como o Espelho é um lugar raro na televisão que permite este tipo de debate. Então, tenho que permitir que o entrevistado fale à vontade sobre o que ele pensa e a minha interferência, apresentando argumentos, é muito pouca.O meu trabalho basicamente é me “cortar” e deixar o entrevistado falar o máximo possível. Foi o que aconteceu com o Ali. Naquele caso, acabei demonstrando, com a expressão facial, que não concordava com ele. Acabei reagindo assim.
Você uma vez disse que faltava uma aproximação maior entre roteiristas e autores em relação com a realidade negra de modo que sua representação nos meios de comunicação fosse mais verossímil. Até que ponto um autor poderia “fazer” uma cena em que reproduza o que não viveu, não conhece? Algo mudou?
Acho que isto vem deste outro momento que o Brasil vive. Esta tão falada ascensão da classe C trouxe mudanças, sim. Não é só isto, mas que isto é determinante. Sobre os nossos autores, a Claudia Lage, se não me engano, é historiadora também. E o João Ximenes Braga é jornalista, acho que tem uma relação forte com a cultura negra, tem outro olhar. Isto também é possívelpelo momento que o Brasil está vivendo, tanto por causa desta ascensão da classe C, quanto por conta de outras produções que foram viáveis e se transformaram em sucessos de audiência. Tipo Da cor do pecado, Cobras e Lagartos, Ó pai, ó, Suburbia. São produções em que o público disse: “me identifiquei, quero ver.” Na verdade, a televisão está interessada em que as pessoas queiram assistir, em audiência. Se estas se tornaram viáveis, outras produções passam a ser consideradas investimentos confiáveis. Ou seja, é o público falando. Espero que o público tenha consciência de que ele também defi ne o que é produzido, quando prestigia algumas experiências. Mesmo que seja pouco. A série Ó pai, ó só teve quatro capítulos, mas teve uma força deaudiência que a televisão disse: “opa!”.
Você vem do Bando de Teatro Olodum. Tem, também uma autenticidade, bem diferente dos artistas que adoram o culto às celebridades. Concorda com os que dizem que Lázaro Ramos tem maior conscientização política do que os atoresde sua geração?
Não consigo ver isto como uma atitude politizada, não. Sabe por quê? Isto na verdade, de ser do jeito que eu sou, sem vender uma imagem, foi o que aprendi dentro de casa. Talvez, se formos fazer uma análise mais sociológica, vireuma atitude política. Mas eu aprendi isto dentro de casa com a minha família, com Dindinha, uma mulher com pouco estudo, com pouca escolaridade, uma guerreira que criou 19 crianças e até hoje cria a minha afilhada. Foi a primeira mulher a sair da Ilha de Paty, casou com um estivador. Mostrou que cuidava tão bem das crianças que meus pais, mesmo tendo condições, me deixaram morar com ela. Então, ela tinha valores muito firmes como escutar, respeitar os mais velhos, numa hierarquia que era quase como a do candomblé. Aliás, ela era uma mulher do candomblé.
Você dirigiu Namíbia, não! A proposta do espetáculo era fazer esta articulação entre arte e política?
Sim. Acho que Namíbia entra um pouco nisto! Trata-se de uma comédia, escrita por um autor jovem, o Audri Anunciação, um cara que nunca havia escrito um texto antes na vida, mas que pensava sobre estas coisas ligadas à situação dos negros. Acabou criando um espetáculo de comédia, com um viés político, e de outro lugar. Ou seja, produziu uma maneira diferente de exercitar a carpintaria teatral, um estilo de fazer teatro que tem algo de inédito, principalmente na temática abordada, e que tem um conteúdo político. Um espetáculo que foi criado para durar um mês e está em cartaz há quase dois anos.
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