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Confira a entrevista com o fundador do Ilê Aiyê

Veja trechos da entrevista com Antônio Carlos Vovô, fundador do Ilê Aiyê

 

TEXTO: Maurício Pestana | FOTOS: Divulgação | Adaptação web: David Pereira

Veja trechos da entrevista com Antônio Carlos Vovô, fundador do Ilê Aiyê | FOTO: Divulgação

Veja trechos da entrevista com Antônio Carlos Vovô, fundador do Ilê Aiyê | FOTO: Divulgação

 

Desafiando a ditadura militar, inspirado em movimentos que tinham como lema poder para o povo negro, surgiu em 1974 o Ilê Aiyê, bloco afro que enaltece a beleza de homens e mulheres negras na Bahia e no Brasil, resgatando o orgulho de ser negro mesmo em tempos difíceis, quando a única referência do que era considerado belo vinha dos Estados Unidos. O Ilê, com sua alegria, magia e beleza, abençoado pelos Orixás, revolucionou o contexto e tornou-se exemplo do orgulho negro. Já se foram 40 anos do nascimento do Bloco da Liberdade, um dos bairros mais negros do mundo, que fez e continua a fazer história,servindo de inspiração para diversos outros blocos que veem na performance artística, cultural e, acima de tudo, na dignidade de sua história um exemplo a ser seguido. Nas Páginas Pretas deste mês temos uma entrevista com Antônio Carlos Vovô, presidente e fundador do bloco reconhecido internacionalmente como um dos maiores redutos da presença negra no Brasil.

Confira trechos da entrevista com Antônio Carlos Vovô, fundador do Ilê Aiyê.

Como você vê esses 40 anos do Ilê Aiyê?

Vejo como uma celebração muito importante, para a Bahia e para o Brasil, principalmente para nós negros. É a segunda africanização. Com o surgimento do Ilê Aiyê, as coisas começaram a se modificar. São 40 anos de resgate do orgulho de ser negro.

Como surgiu o Ilê Aiyê?

O Ilê Aiyê surgiu com a liberdade carnavalesca aqui no bairro do Curuzu (Salvador, BA) e sempre reuniu grupos negros. Desde a minha época de estudante, nos meus 14 anos, já fazíamos passeios, festa junina, grupo de mocidade do carnaval… Tudo isso acontecendo no terreiro e no barracão. Montávamos times de futebol e podíamos brincar com liberdade; de tarde a gente ia para a avenida, minha mãe nos levava no Taboão, no centro histórico do Pelourinho. Nessa época, começava a disputa carnavalesca e nós começamos a observar, depois de começarmos a ir sozinhos, que esses grandes blocos, os clubes que desfilavam,só tinham rainhas brancas nos principais blocos. Na época o negro só participava tocando percussão, pois a disputa era enorme para ver quem tinha a melhor bateria e para saber quem carregava alegoria. Se observarmos o visual, já havia influência do movimento negro Black Power em meados de 1970. Nós curtíamos aquela estética americana, os panteras negras, tanto que quando surgiu a ideia, nos demos conta de que dava pra fazer um bloco só de negrão. E assim formamos pela primeira vez um bloco afro. Conversei com a minha mãe, que achou legal a ideia, ela sentia a questão do socialismo muito forte. Entãotocamos em frente – para você ter uma ideia, eu queria que o bloco se chamasse Poder Negro.

 

"O carnaval não é mais aquela coisa romântica, não é como quando começamos, em 1974. O carnaval, hoje, é para profissionais, é comércio”

“O carnaval não é mais aquela coisa romântica, não é como quando começamos, em 1974. O carnaval, hoje, é para profissionais, é comércio”

 

 

Quanto de dinheiro um bloco como o Ilê precisa para sair no carnaval?

Não é só no carnaval, muitos se esquecem do pré-carnaval, dos ensaios, das atividades. Porque acaba um carnaval e já começa o outro, temos despesas com viagens, hospedagens, estrutura, sambas… Depois que a ministra Luiza assumiu a Seppir, tivemos apoio para algumas pesquisas de estruturação. Mas a maioria nunca teve nada, éramos responsáveis por tudo. Juntando o pré-carnaval e o carnaval, hoje um bloco afro como o Ilê não gasta menos que três milhões para botar na rua.

Olhando para trás, qual o balanço sobre o Ilê nesses 40 anos e como você acha que estará o carnaval daqui a 10 anos?

Nos últimos 40 anos, a Bahia sofreu muitas transformações, e o Ilê esteve envolvido em quase todas elas, com minha participação, mas eu não me sinto contemplado. Se eu visse prefeito negro, governador negro, o povo negro participando do primeiro, segundo e terceiro escalão, acho que o papel político e cultural do Ilê estaria resolvido. Acho que no futuro talvez não precise ter o bloco Ilê Aiyê só de negros. Agora, não adianta também chegar aqui e abrir para brancos, para gringos, só para os caras trazerem euro e dólar, aí quando chega a quarta-feira tudo acaba. Muitos continuam desempregados, passando necessidades e privações até de coisas básicas, como água e saneamento básico. O governo é branco, mas se a cor da pele não interferisse nas escolhas, a realidade do negro poderia ser diferente. Enquanto as coisas não mudam, é necessário que existam vozes como a do Ilê Aiyê. Com música e atitude, mostramos que essa terra não é a da felicidade, infelizmente. Estamos em busca dela há bastante tempo.

Quer ver essa e outras reportagens da revista? Compre essa edição número 187.

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