Cotas, fundo partidário, autodeclaração e fraudes nas eleições

Por: Maurício Pestana

Há mais de três meses quando iniciamos o desafio de semanalmente analisar e comentar as eleições brasileiras deste ano sob o prisma da diversidade, da inclusão e da representatividade negra, abordamos vários aspectos peculiares que somente um país diverso e injusto como o nosso pode oferecer.

Começando pelo cinismo com o qual a pauta racial foi tratada nas pré-campanhas e, mesmo agora, já no período eleitoral. Somos o maior país negro fora da África, aqui a população negra é maior que a população branca e, mesmo assim, ela não se vê representada nas instâncias de poder sejam elas estaduais, municipais ou federal. Também não vê proporcionalmente sua representação numérica nas direções dos partidos políticos de esquerda ou de direita e, ao que tudo indica, isso não mudará nestas eleições.

Isso nada mais é que um reflexo das estruturas racistas que parecem inabaláveis, seja no Executivo, no Legislativo, no Judiciário ou nas outras instâncias que formam as bases da nossa sociedade; incluo o setor privado também, as empresas, seus conselhos e por aí em diante.

Mas como mudar isso? De que forma mudar engrenagem que há séculos proporciona privilégios para uma parcela significativa de pessoas brancas em detrimento da exclusão de uma população majoritariamente negra, colocando-nos como um dos países mais injustos e racistas do mundo?

Nesses 22 anos de século 21 várias medidas no âmbito institucional foram realizadas para reduzir as desigualdades tendo principalmente como foco a educação. Embora bastante combatidas, as cotas nas universidades foram um elemento determinante para que avanços pudessem ocorrer em várias áreas, inclusive no meio corporativo.

Programas como o Fies, Universidade para Todos e uma ampla movimentação na sociedade civil, mais consciente da importância da inclusão racial, têm mudado o quadro, mas ainda há muito que se avançar.

Por outro lado, as fraudes nos processos das cotas e o próprio desvirtuamento das origens dessas medidas, que eram a reparação histórica da população negra que nunca recebeu nada pelos anos de escravismo, fizeram entrar outros atores que não estavam originariamente na pauta de reparação, como os brancos pobres, que entraram nas cotas sociais, indígenas e deficientes e os fraudulentos brancos colocando hoje negros como minoria a receber esses direitos.

Mas você deve estar se perguntando o que a eleição deste ano tem a ver com tudo isso. Muito, principalmente no quesito fraudes! A partir deste ano, por conta das desigualdades históricas e visando reparar e dar melhores condições para que candidaturas negras tenham chance de serem competitivas num cenário economicamente tão desigual como o nosso, negros e mulheres terão uma fatia maior no fundo partidário para tocar suas campanhas e tentar mudar esse quadro; nada mais justo.

Porém, no Brasil onde o que vale é a autodeclaração — e aí mora o perigo –, sem um acompanhamento e fiscalização rígida do processo, a chance dessa autodeclaração se tornar uma fraude racial é grande.

Na semana passada, os primeiros indícios de que isso pode acontecer apareceram. Seja por um erro de registro ou ação de alguém de má-fé, foi demonstrado que o processo pode ser burlado. No registro da chapa de Antônio Carlos Magalhaes Neto e sua vice que concorrem ao cargo de governador e vice da Bahia, os dois aparecem como pardos.

Se isso está acontecendo nessa chapa que aparentemente não precisaria deste artifício para se beneficiar neste novo processo, imagine em outros que realmente poderão fazer isso de má-fé. Talvez esteja aí a verdadeira razão de neste ano o número de candidaturas negras ultrapassarem as de brancos no Brasil, candidatos brancos pretos!

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