Cotas para negros no Legislativo
Veja trechos da entrevista com o deputado Luiz Alberto (PT) que, entre outros assuntos, aborda sua proposta de reservar cotas para negros no poder legislativo
TEXTO: Maurício Pestana | FOTOS: Divulgação | Adaptação web: David Pereira
Em seu 5º mandato no legislativo, o deputado baiano Luiz Alberto (PT) falou sobre o atual momento político do país e da sua polêmica proposta de reservar cotas para negros no legislativo.
Confira trechos da entrevista com o deputado Luiz Alberto
Como foi sua polêmica proposição de reservar cotas no legislativo?
Eu fiz parte da comissão especial que foi instalada pela presidência da câmara para discutir a reforma politica proposta pelo PT. No debate havia um consenso, pelo menos entre os esquerdistas do PT, o PCdoB, de que era preciso fazer uma profunda reforma politica. Suprimir o financiamento privado de campanha e outros mecanismos que democratizem as eleições, em minha opinião, não é o suficiente para modificar essa sub-representação negra no parlamento brasileiro. Tentei entrar nesse debate, mas a comissão praticamente interditou o assunto, não aceitaram debater a questão negra.
E as lideranças da câmara e do senado que têm papel importante nas votações, o que acharam disso?
A maioria dos líderes dos partidos das bancadas reconhece a pouca representação negra no legislativo, mas essa mesma maioria não concorda que se crie algum mecanismo para modificar o quadro. Então eu comecei a pesquisar em vários países quais mecanismos poderíamos aplicar aqui, edescobri que nações europeias têm soluções, não necessariamente cotas, mas mecanismos que estimulam a participação de mulheres, de imigrantes, de minorias étnico-raciais na politica. Na América Latina temos o exemplo da Colômbia, que tem cota para negros no parlamento, da Bolívia, onde há cotas para indígenas, que são maioria no parlamento do país. Alguns países africanos têm muito estímulo à participação das mulheres, temos como exemplo a Etiópia, onde a mulher tem mais recursos que os homens para fazer a campanha eleitoral e aparecem mais nos meios de comunicação. Em Moçambique, metade do parlamento é composto por mulheres. Peguei essas informações e entrei com a proposta de criar mesmo um impacto no debate. Fazendo uma projeção, nós temos cerca de 30 parlamentares afrodescendentes na câmara federal, de um total de 513 deputados. Com cotas iríamos para 170, certamente muitas coisas poderiam mudar. Eu proponho que essa experiência permaneça por cinco legislaturas, seriam 20 anos para se criar uma realidade de participação negra na politica institucional.
Houve muitas reações contrárias?
Contrárias e a favor também. Agora, evidentemente que a grande mídia só mostra as reações contrárias, e um fato curioso é que eu sou o propositor dessa ideia junto com o deputado João Cunha, de São Paulo, que até teve uma participação muito forte no debate comigo. Na TV, fizeram debates com pessoas que não dominavam o assunto. Certa vez, o reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, foi questionado sobre as cotas, mas confessou que não conseguia compreender o mecanismo. Se eu estivesse lá, eu poderia ajudá-lo a entender e a quem estava assistindo também. Acredito que um debate público sobre o tema poderia ter ajudado, e ainda pode ajudar muito. Os que estão contra são os mesmos que não queriam cotas nas universidades.
Como o senhor acha que vai ser esse ano eleitoral pós-manifestações?
Será um ambiente extremamente disputado, porque que os setores mais conservadores das cidades brasileiras, explicitamente a direita, acham que não dá mais para suportar a experiência do PT dirigindo o Brasil. Só que o PT, nos últimos doze anos, modificou a cara do país do ponto de vista social, econômico e do nosso próprio papel no cenário internacional.
Mas as manifestações também mostraram ao mundo certo descontentamento interno, não acha?
Sim, mas o Brasil até antes de 2003 tinha uma relação muito subalterna com os países chamados de primeiro mundo, principalmente em relação aos Estados Unidos. Com o Lula, isso se modificou, principalmente porque ele reorientou a politica externa brasileira para a África e a América Latina. Nosso país passou a ter um papel importante no cenário mundial, com voz ativa, então alguns setores partiram para a guerra. Primeiro foi em 2005, no episódio do mensalão, ali a oposição tentou aniquilar nosso governo, não tiveram coragem de propor um impeachment, por exemplo, porque sabiam que o povo iria reagir. Tentaram esgotar o Lula até o limite para no segundo mandato eles o derrotarem, o que não ocorreu. Depois, eles imaginavam que a Dilma não seria eleita, porque era uma pessoa muito desconhecida. Bloquearam os principais lideres que poderiam entrar na disputa eleitoral, como o José Dirceu, e acharam que tinham esgotado as lideranças do PT para disputar a eleição, até porque o Lula se negou a mudar de condição para conseguir um terceiro mandato. Então apresentamos a Dilma, que demonstrou a capacidadede mobilização do partido. Essa eleição, em minha opinião, vai ter um cenário mais conflagrado, os opositores vão utilizar todos os argumentos, em particular essa questão do mensalão, como um discurso de que a esquerda é corrupta. O que é corrupto, o que gera o corrupto é o cenário politico brasileiro, é nele que reside o problema. Isso não quer dizer que é um mal exclusivo da política… Se considerarmos o volume de recursos envolvidos no chamado mensalão ou na ação penal e compararmos com o escândalo dos metrôs de São Paulo, veremos que o segundo é muito maior. Sem querer fazer comparações para ver se um é crime e outro não.
Quer ver esta e outras matérias da revista? Compre esta edição número 186.